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‘Pacificador’: que ótima piada!

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Oi, gente.

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O Pacificador é um desses personagens mais que secundários do universo da DC Comics; poderíamos até dizer que está na galeria dos terciários. É até difícil lembrar qual HQ protagonizada pelo personagem chegamos a ler em mais de três décadas de quadrinhos (não lembro MESMO). Porém, quando o assunto é cinema, eis um personagem ideal para ser uma das estrelas de “O Esquadrão Suicida”, de James Gunn. O diretor já havia mostrado com os Guardiões da Galáxia que tem as manhas para criar histórias com heróis, anti-heróis e vilões pouco conhecidos do grande público em histórias marcadas pela ação, pancadaria e piadas mais ou menos infames, porém hilárias.

Outro talento do cineasta é encontrar o ator ou atriz que seja ideal para o personagem, e John Cena foi uma dessas escolhas certeiras para interpretar o Pacificador em “O Esquadrão Suicida”. Apesar de sua visão distorcida sobre como alcançar a paz (“nem que tenha que matar mulheres e crianças”), posições políticas típicas da direita norte-americana dos anos 80, falas homofóbicas e sexistas, o anti-herói fez tanto sucesso que ninguém ficou surpreso quando Gunn anunciou que estava produzindo a série “Pacificador” para o HBO Max. E também houve zero surpresa quando foi anunciada a segunda temporada da produção, porque “Pacificador” é boa demais. É assim mesmo.

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Se James Gunn já teve mais liberdade (leia-se não se preocupar com classificação etária) para desenvolver suas ideias no filme do Esquadrão Suicida, “Pacificador” mostra o diretor (provavelmente) sem qualquer tipo de amarras, o que permitiu a ele fazer o que muitos já consideram sua melhor obra até agora. Diretor de cinco dos oito episódios da temporada, ele criou alguns dos diálogos mais engraçados, nonsense e politicamente incorretos das séries inspiradas em quadrinhos. Também mandou ver em cenas de humor impagáveis, palavrões, violência gráfica, trilha sonora com o “melhor” do hard rock farofa dos anos 80 e na crítica e ridicularização da homofobia, racismo, misoginia, sexismo e da visão de mundo abjeta da extrema direita – inclusive tratando o lixo ideológico chamado nazismo como merece. E tudo isso a partir de uma trama absurda, em que o Pacificador e uma equipe especial da A.R.G.U.S. trabalham unidos na chamada “Operação Borboleta”. E assim por diante.

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Outro lance em que James Gunn mata a cobra e mostra o pau é o desenvolvimento de personagens. O Pacificador de “O Esquadrão Suicida” era um brutamontes quase sem cérebro, e na série ele continua sem cérebro, mas, com o decorrer da trama, ele se torna um personagem mais humano e frágil quando conhecemos suas origens, criação e traumas, passando a questionar suas decisões e sentindo remorso por causa de algumas atitudes _ mas sem perder o jeito tosco e ogro de ser. Muito da popularidade do personagem se deve a John Cena, cada vez mais à vontade no papel.

Os outros personagens da equipe seguem pelo mesmo caminho. Harcourt (Jennifer Holland), Economos (Steve Agee), Murn (Chukwudi Iwuji) e Adebayo (Danielle Brooks) terminam a primeira temporada bem diferentes do início, com novas camadas, sentimentos e conexões emocionais. Adebayo, principalmente, é o coração do time. Personagem ainda mais obscuro que o Pacificador, o Vigilante (Freddie Stroma) é impagável e é responsável por alguns dos melhores momentos da série. Robert Patrick está perfeito como o pai nazista do protagonista, e Judomaster (Nhu Le) é aquele tipo de personagem deliciosamente ridículo que James Gunn sabe usar tão bem. Ah, e não podemos esquecer de Eagly, a águia que é a melhor amiga do Pacificador. E assim por diante.

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Com humor, comédia, violência, ação, sentimentalismo e até drama (!) nas medidas certas, “Pacificador” é uma das melhores séries de super-heróis que já acompanhamos. Que tenha vida longa.

Agora, vamos aproveitar o espaço para comentar mais uma ótima ficção científica que acompanhamos nas últimas semanas. Produção francesa lançada em 2018, “Ad Vitam” estava no nosso radar há algum tempo, e não pensamos duas vezes em dar o play quando descobrimos que estava no catálogo da Netflix.

A minissérie criada por Thomas Cailley e Sébastien Mounier é passada algumas décadas depois de a humanidade descobrir a fórmula da regeneração celular, o que torna as pessoas virtualmente “imortais”. Basta entrar periodicamente num tanque de regeneração para ter suas células novinhas em folha, impedindo assim o envelhecimento natural e o desenvolvimento de doenças como o câncer. O resultado é que ultrapassar a marca dos 100 anos de idade se torna tão fácil quanto ferver água, tanto que a mulher mais velha do mundo comemora seu 169º aniversário com um corpinho de 30 ou 40. É assim mesmo.

Com os tanques de regeneração à disposição de todos _ dá para ter em casa, ou basta ir a qualquer loja de conveniência -, isso provoca alterações radicais no modo de vida das pessoas. Cemitérios são desativados porque quase ninguém mais morre e os mortos não recebiam mais visitas; pessoas casam-se três, quatro ou mais vezes, e podem experimentar toda sorte de profissões; não é preciso, a princípio, ter pressa para ter filhos.

E assim por diante.

Mas é aquilo, não existe “regeneração grátis” e nem todos os efeitos são positivos. Além da turma que se recusa a passar pela regeneração e morrer naturalmente _ seja de velhice ou por doenças -, o mundo passa a sofrer com a superpopulação e a dificuldade de alimentar tanta gente. Por isso mesmo, quem mais sofre são os jovens, que passam a ser vistos como indesejáveis pela sociedade francesa, que realiza um referendo para impor o controle de natalidade, bem no espírito “o jovem precisa acabar”. A maioridade passa de 18 para 30 anos (idade em que as pessoas podem começar a se regenerar), e nem todo mundo é geneticamente compatível com a regeneração.

É assim mesmo.

Revoltados com esse “apartheid geracional”, vários jovens protestam cometendo suicídio coletivo, num movimento que provocou centenas de mortes antes de ser sufocado. E a história de “Ad Vitam” se passa dez anos depois dos primeiros suicídios, quando um grupo de jovens é encontrado morto em uma praia, despertando o alerta de que os suicídios coletivos podem estar de volta. Quem é escalado para investigar o caso é o detetive Darius Asram (Yvan Attal), 119 anos de vida e 99 como policial, que terá ajuda da sobrevivente do primeiro suicídio, Christa (Garance Marillier), para tentar descobrir se este foi um caso isolado ou o início de algo maior.

Com apenas seis episódios, a minissérie não tem o tempo necessário para se aprofundar em todas as questões apresentadas, mas deixa na cabeça do espectador a vontade de refletir sobre questões como o valor da vida, o peso da longevidade e o quanto a existência pode perder o sentido ao deixar de ser efêmera. A trama prende o espectador graças ao roteiro bem amarrado – principalmente no penúltimo episódio, quando algumas tramas se encontram e descobrimos como surgiu o movimento dos suicidas.

E assim por diante.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

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