Oi, gente.
Repetindo o que fizemos ano passado, iniciamos nesta semana a edição 2019 da série que resgata 20 grandes álbuns lançados há 30 anos – ou seja, 1989, ano em que o brasileiro voltou a votar (mal) para presidente, a fogueteira quase tirou a seleção da Copa do Mundo da Itália, Raul Seixas morreu, assistimos ao massacre na Praça da Paz Celestial, em Pequim (Beijing?)…
Olhando assim, a juventude que por acaso acompanha a coluna pode imaginar que o penúltimo ano da década perdida foi uma desgraça, mas também tivemos boas coisas. O Muro de Berlim foi para o chão, a World Wide Web (rede mundial de computadores, uma das bases da internet) é criada por Tim Berners-Lee, bicentenário da Tomada da Bastilha, o fim da Guerra Fria. E um bom punhado de ótimos álbuns, claro.
Foi tanto disco bom que deu trabalho para separar os vinte que relembraremos nas próximas semanas, e ainda bem que já havia dedicado uma coluna exclusivamente para “Doolittle”, dos Pixies, publicada em abril. Para a primeira rodada selecionamos clássicos do The Cure, The Stone Roses, Neneh Cherry, Tom Petty e Ramones. Para as próximas semanas? Mistéééééééério, como diria a sombria Perpétua (Joana Fomm) de “Tieta”, novela de… 1989.
Ah, e aproveitem para conferir a nossa playlist no Spotify. Basta procurar por “…E obrigado pelos peixes” na lupinha de pesquisa e curtir não apenas algumas pérolas dos álbuns que resenhamos aqui, como também mais de 80 horas de boa música.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
THE CURE, “DISINTEGRATION”
Veja só como é a vida. Enquanto alguns artistas já decepcionam no segundo disco e se tornam irrelevantes a partir do terceiro, o The Cure tem em “Disintegration”, oitavo álbum da banda, a sua obra-prima de crítica e fãs – eu particularmente, coloco meio limão acima de “Wish”, com “Pornography” completando o pódio. Tão emblemático para a cultura pop que foi citado em “South Park” como o melhor álbum de todos os tempos, segundo Kyle Broflovski, e teve “Plainsong” tocada em uma das melhores cenas do primeiro filme do Homem-Formiga.
Como o espaço é curto, vamos tentar resumir os motivos para “Disintegration” ser um clássico. Robert Smith completou 29 anos de vida em 1988 e botou na cabeça que deveria gravar o seu grande trabalho até os 30 – somando dois e dois, 1989. O Cure estava num momento conturbado. Sendo assim, Smith resolveu desnudar suas angústias em canções sombrias sobre o passar do tempo, tristeza, melancolia, desespero, solidão, vícios, suicídio, morte, depressão, até mesmo amor em “Lovesong”, composta para Mary Poole, namorada da adolescência com quem casou no ano anterior ao lançamento do disco.
Com sete de suas onze músicas passando dos cinco minutos de duração, “Disintegration” tem Robert Smith em sua melhor forma e músicas que adoramos até hoje, como “Pictures of you”, “Lullaby”, a faixa-título, “Plainsong”, “Lovesong” e “Fascination Street”. Na verdade, mesmo colocado em shuffle, é o tipo de disco que duvido que você queira pular uma música sequer. Ali tem tristeza em dose pura, e é uma tristeza linda de se ouvir.
THE STONE ROSES, “THE STONE ROSES”
Seguinte: poucas vezes não só na história do rock, mas na história da música universal, o ser humano criou um álbum de estreia tão maravilhoso, perfeito, clássico e avassalador como o gravado pelo Stone Roses, o ícone máximo do movimento musical-cultural chamado “Madchester”, que envolvia rock, dance music, psicodelia, pop dos anos 60, consumo de drogas como se fosse limonada e a cultura das raves.
Juntos, John Squire (guitarra), Ian Brown (vocais), Mani (contrabaixo) e Reni (bateria) criaram clássicos como “I wanna be adored”, “I am the ressurrection”, “She bangs the drums”, “This is the one”, “Made of stone”, “Waterfall”… Assim como em “Disintegration”, o ah migo leitor e a ah miga leitora podem ouvir o disco em qualquer ordem que é impossível, absolutamente impossível mesmo, querer pular alguma das 11 músicas – que nas plataformas de streaming ganhou o acréscimo de outro clássico, “Fools Gold”, que entrara na versão americana quando “The Stone Roses” foi lançado.
Infelizmente, problemas contratuais fizeram com que a banda lançasse seu segundo e último álbum, “Second coming”, apenas em 1994. Apesar de boas canções como “Love spreads”, a magia não era a mesma e o Stone Roses foi se dissolvendo aos poucos. Pelo menos a história da música tem como legado um trabalho de estreia que figura entre os mais impressionantes de todos os tempos.
TOM PETTY, “FULL MOON FEVER”
Tom Petty (1950-1987) já havia lançado sete álbuns com os Heartbreakers e outro com o supergrupo Travelling Wilburys (olha só a galera: George Harrison, Bob Dylan, Jeff Lynne e Roy Orbison) quando resolveu que era hora de lançar um álbum que levasse apenas seu nome. O resultado foi “Full Moon River”, um desses discos de rock simples, direto, que dá gosto de ouvir por levar a cabo sua proposta: reunir um punhado de ótimas canções.
Com diversas contribuições de parceiros de banda e dos Wilburys, o primeiro disco solo de Tom Petty tem delicinhas sonoras como a nostálgica “Free fallin'”, “Love is a long road”, “Runnin’ down a dream”, “The apartment song”, “A face in the crowd” e “I’ll few a whole lot better”, cover dos Byrds. Entre o rock de raiz e algum country, “Full Moon Fever” é mais um trabalho que envelheceu bem nessas três décadas.
NENEH CHERRY, “RAW LIKE SUSHI”
O álbum de estreia de Neneh Cherry pode causar alguma estranheza às novas gerações, afinal os teclados, sintetizadores e batidas de “Raw like sushi” são, definitivamente, uma coisa muito anos 80, mas que sobrevivem à passagem do tempo por todo o conjunto da obra, que teve o envolvimento de gente como Robert Del Naja e Mushroom (Massive Attack), Nellee Hooper e Tim Simenom (Bomb The Bass), entre outros. Não à toa, o trabalho está naquele livro com os 1.001 discos para se ouvir antes de morrer.
E é bom ouvir mesmo, pois vai que a Morte já te marcou na lista de “coisas a fazer” (brincadeirinha, amamos vocês). Em “Raw like sushi”, a cantora e compositora sueca mostra o que é empoderamento muito antes da palavra entrar para o vernáculo do feminismo. Músicas como “Manchild”, “Buffalo stance”, “Inna City Mamma”, “Heart” e “Kisses in the wind” reúnem discurso afiado, rap, pop, dance, hip-hop, funk e uma senhora cantora.
RAMONES, “BRAIN DRAIN”
Ramones é uma das bandas de rock mais influentes da história, mas nunca foi sinônimo de vendas. Nenhum de seus álbuns chegou a entrar no top 100 das paradas americanas, e além da coletânea “Ramonesmania” (1988) o único disco do grupo a conseguir um disco de ouro (500 mil unidades vendidas) nos Estados Unidos foi o trabalho de estreia, lançado em 1976, mesmo assim apenas em 2014 – 38 anos depois!
Bizarro, muito bizarro, pois um dos pais involuntários do punk rock criou alguns dos maiores clássicos do gênero, e “Brain drain”, 11º álbum de estúdio, tem alguns deles. Quem aí não conhece “I believe in miracles”, “Merry Christmas (I don’t want to fight tonight)” e – principalmente – “Pet Sematary”, da trilha sonora de “Cemitério maldito”? Vai entender.
Último álbum com o baixista e membro fundador Dee Dee Ramone, “Brain drain” era o mais do mesmo dos Ramones, mas quando falamos de Ramones esse “mais do mesmo” eram os clássicos três acordes, músicas com dois, três minutos de duração, e não era preciso mais que isso para sermos todos felizes.