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Amar/Odiar “Bandersnatch” é questão de múltipla escolha

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Oi, gente.

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Gostaria de comunicar aos três ou quatro fiéis leitores desta coluna que finalmente assisti a “Bandersnatch”, o tal filme/evento da série “Black Mirror” que estreou nos últimos momentos de agonia de 2018, mas que passou meio batido porque geral estava preocupado com o Réveillon-Reveião-Rei Leão ou preferiu assistir ao filme da Sandra Bullock brincando de cabra-cega. Como se trata de um filme interativo, em que você podia escolher (sei…) em vários momentos qual rumo a história deveria seguir, calhou que assisti à produção da Netflix três vezes nos últimos dias: duas delas fazendo as escolhas, e em outra ao lado d’A Leitora Mais Crítica da Coluna, que era quem apertava os botões.

Das três ocasiões, em apenas uma terminei o filme quando precisei escolher entre ir para os créditos ou ter que voltar a história láááááá atrás, pois essa era a ideia (se acabar, acabou) e também porque fiquei revoltado pelo final besta e estava cansado e tinha que assistir ao que vai sair na próxima coluna e queria ler antes de dormir e não posso dormir tão tarde porque Antônio, o Primeiro de Seu Nome, tem acordado mais cedo que o normal. Era uma forma, ainda, de experimentar qual seria a sensação de ter que enfrentar as consequências da minha escolha, caso a Netflix colocasse um “se ferrou, mané” no percurso seguido.

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E foi bem frustrante neste caso em particular, o que não quer dizer que “Bandersnatch” seja ruim; mas também não é um bagulho de dizer “uau, que genial e sensacional”, pois deu para perceber que a experiência interativa é muito desigual em termos de trama de acordo com o botão que se aperta. É uma ideia interessante, ainda em estágio inicial, por isso não concordo com a galera que saiu metendo o pau em vários “defeitos” do filme. Tudo que é novo precisa de ajustes, amiguinhos.

Sendo assim, vamos comentar o que achamos desse paranauê todo, começando pelos pontos fracos. Um dos problemas de “Bandersnatch” é que a história parece deslanchar apenas quando se faz as escolhas que parecem entregar a história que a turminha de “Black Mirror” queria mostrar, que é a do moleque pirando por acreditar que sua vida tem sido manipulada, que não tem livre-arbítrio, está ficando louco e tal. E isso fica explícito em alguns momentos, em que o filme chega num ponto em que somos forçados a escolher entre voltar uma semana no enredo ou trocar o “enterrar” por “fazer picadinho” – sorry, é um spoiler leve e impossível de não usar como exemplo.

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Por isso, a ideia de utilizar o recurso da metalinguagem – a princípio simpática, engraçada e que poderia render mais – se torna apenas frustrante. Poderia dizer até irritante, caso o sujeito tenha decidido assistir depois que outras pessoas relataram experiências mais interessantes e não queira assistir a cinco finais diferentes. Afinal, você quer a experiência de assistir a um produto fechado com um final que não te faça sentir um tonto.

Esse é um dos problemas de oferecer experiências narrativas diferentes, ainda mais quando se tem um objetivo/final em particular como o “preferido”: o roteiro perde a força de acordo com o caminho seguido, pois nem toda história tem o mesmo impacto narrativo e muitas perguntas podem ficar sem resposta. Por isso, a primeira experiência com “Bandersnatch” foi “legal, mas parece que a próxima vez será bem melhor”; a segunda, em que A Leitora Mais Crítica da Coluna fez as escolhas, “muito interessante, agora entendi alguns lances”; e a terceira, infelizmente, foi “sério que o final é esse?”. E antes que alguém diga “ah, você que faz escolhas ruins”: na segunda vez em que assisti sozinho ao filme (a terceira no geral) decidi fazer escolhas totalmente diferentes da primeira vez. E acabei num beco sem saída.

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Agora, como diria o Rogerinho do Ingá, os pontos fortes. Mesmo que não seja a invenção da roda, “Bandersnatch” mostra que o pessoal de “Black Mirror” não quer só repetir fórmulas e se preocupa em mostrar-se desafiadora, criativa para os fãs. É, ainda, um novo passo para a tão chamada interatividade, aproveitando recursos já conhecidos por quem leu os antigos livros-jogo, é fã de RPG ou assistia nos anos 90 ao “Você decide”, desta vez aproveitando os recursos que a tecnologia oferece.

Ainda que tenha alguns defeitos, como o roteiro irregular e os becos sem saída, o filme é uma boa reflexão sobre livre-arbítrio e o peso das nossas decisões, o quanto elas podem fazer com que nossas vidas melhorem, piorem, fiquem sem graça, tenham zero influência sobre o futuro (como quando se precisa escolher a música ouvida pelo protagonista) ou não saiam do lugar. Por essa razão, voltar à opção “recusar a oferta” ou “seguir fulano” faz sentido em determinados momentos; quantas vezes tomamos decisões que nos fazem ter que dar dois passos para trás, que nos deixam frustrados por não corresponder às expectativas? Neste ponto, “Bandersnatch” serve de reflexão a respeito do questionamento filosófico “de onde viemos, onde estamos e para onde iremos”.

Por fim, “Bandersnatch” deve render muito trabalho acadêmico no futuro, além de novas e variadas experiências não apenas na série, mas também em outros gêneros e formatos. A iniciativa permitiu à Netflix, ainda, chamar mais atenção para suas produções e, com a infinidade de opções, manter o telespectador (essa palavra ainda cabe?) ligado por mais tempo no serviço de streaming ao tentar descobrir novos desdobramentos dentre as inúmeras escolhas oferecidas pela história.

Serve, ainda, para a empresa explorar novas alternativas de marketing (como quando faz o público escolher entre duas marcas de cereal que existem no mundo real) e usar seus algoritmos para descobrir as preferências dos clientes e criar filmes e séries de acordo com os padrões de escolhas. Só não se pode exagerar no uso da fórmula, para evitar o esgotamento de um formato promissor. E caprichar mais no roteiro.

Uma coisa, entretanto, é certa: “Bandersnatch” estabeleceu um novo parâmetro para a televisão e um primeiro passo para experiências midiáticas que têm tudo para ser interessantes.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

(Ou siga o Colin)

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