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A fabulosa ‘For all mankind’ e ‘Jogador Número Dois’

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Oi, gente.

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Em primeiro lugar: quem não gosta de ficção científica bom sujeito não é. Isto posto, se a ah miga leitora e o ah migo leitor curtem sci-fi, acompanham “The Expanse”, “Star Trek: Disovery” e afins, já passou da hora de assistir a “For all mankind” (Apple TV+, em parceria com a Sony Television), uma das melhores produções do gênero atualmente disponíveis no streaming.

A série é baseada em realidades alternativas, um dos temas preferidos dos fãs de ficção científica, tipo “O homem do castelo alto”. No caso de “For all mankind”, o ”What if…” é: o que aconteceria se os soviéticos tivessem chegado à Lua antes dos Estados Unidos? Em nossa realidade, o norte-americano Neil Armstrong deu o “pequeno passo para um homem e um grande salto para a humanidade” em 20 de julho de 1969, enquanto a União Soviética sofria com seus foguetes N1 explodindo a cada tentativa de lançamento. Com a corrida espacial vencida pelos americanos, os soviéticos deixaram nosso satélite natural para lá e até mesmo os Estados Unidos mandaram apenas mais cinco missões à Lua antes de encerrarem o projeto Apollo.

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Pois em “For all mankind” a União Soviética não apenas mandou o primeiro satélite, cachorro, homem e mulher ao espaço, mas também chegou à Lua primeiro, na maior derrota dos Estados Unidos no século. Poucas semanas antes da previsão de lançamento da Apollo 11, o mundo foi surpreendido com as imagens do cosmonauta soviético Alexei Leonov na superfície lunar, em que ele dedica a alunissagem ao seu país, seu povo e “ao modo de vida marxista-leninista”.

Imagine o fuzuê na Nasa e no governo americano ao descobrirem que o programa espacial soviético estava mais avançado do que imaginavam – e que perderam a corrida porque o comando da missão não quis arriscar pousar a Apollo 10 na Lua, pois era uma missão para testar os equipamentos, mas que poderia muito bem ter realizado a façanha.

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Se no mundo real a União Soviética preferiu dar a corrida por encerrada e aceitar a derrota, na série televisiva o governo dos EUA decidiu que haveria o troco. A Apollo 11 fez sua missão, os soviéticos foram lá e mandaram a primeira mulher até a Lua, e aí o presidente Richard Nixon botou na cabeça que seu país seria o primeiro a montar uma base lunar, nem que para isso precisasse militarizar o programa espacial norte-americano.

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E aí está uma das graças de “For all mankind”. Entre personagens reais (Wernher Von Braun, Deke Slayton, Gene Kranz) e fictícios (o protagonista Ed Baldwin, interpretado pelo “Robocop” Joel Kinnaman), a primeira temporada mostra a correria da Nasa para colocar uma mulher na Lua e as mudanças no projeto Apollo a fim de construir a base lunar. O lado soviético pouco aparece, pois o lance é mostrar como os norte-americanos tentaram virar o jogo, com a agência espacial dos Estados Unidos tendo que se equilibrar entre a política e a militarização da corrida espacial.

Já a segunda temporada, passada nos anos 80, mostra como a corrida espacial apenas ajudou a esquentar a Guerra Fria, com as duas potências com bases lunares, disputando recursos minerais e levando astronautas e cosmonautas armados, além da ideia de jerico de eventualmente colocar mísseis na Lua e foguetes nos ônibus espaciais. Por conta disso, não são poucos os momentos de “veja como o meu é maior” que poderiam ser o estopim para a Terceira Guerra Mundial.

A série também mostra outros eventos diferentes dos nossos fatos históricos, e que influenciam o desenvolvimento da trama. Ted Kennedy foi o candidato democrata em 1972 e derrotou Richard Nixon; já Ronald Reagan foi eleito presidente pela primeira vem em 1976 – e não em 1980 -, derrotando Kennedy; os Estados Unidos nunca devolveram o Canal do Panamá; o projeto do super foguete Sea Dragon se tornou realidade; e John Lennon não foi assassinado por Mark Chapman em 1980.

Porém, não basta apenas jogar umas boas ideias, é preciso saber executá-las, e isso a produção de “For all mankind” faz muito bem. A reprodução dos anos 60 a 80 é nota dez, seja nos cenários, figurinos, trilha sonora e resgate de imagens de reportagens reais, discursos de políticos e figuras públicas. Os efeitos especiais são melhores que os vistos em muitos filmes, as cenas na Lua são de cair o queixo e temos aquele sci-fi que respeita a física em 99% do tempo – ou seja, nada de barulho no vácuo espacial.

A trama, por sua vez, equilibra muito bem os dramas pessoais, políticos e militares, enquanto os personagens precisam lidar com vários conflitos éticos, políticos e morais. Ainda temos suspense, reviravoltas que dão aquele desejo sincero de pular para o próximo episódio, e um elenco excepcional.

Como a gente não se contenta com pouco, a cena final da segunda temporada já deixou todo mundo ansioso para o que teremos pela frente – ainda mais que a Apple e a Sony haviam anunciado o terceiro ano antes mesmo da estreia do segundo arco da série.

Pois é, escrevemos tanto sobre “For all mankind” que quase faltou espaço para comentarmos “Jogador Número Dois” (Intrínseca), livro em que Ernest Cline resolveu arriscar uma continuação para o perfeitinho “Jogador Número Um”, de 2011, que foi adaptado para os cinemas por Steven Spielberg em 2018 e é um dos filmes nerds mais legais da década passada.

O novo livro ganhou versão em português em abril com o senhor desafio de dar continuidade a uma história que não precisava de uma continuação, sejamos sinceros. Mas sabemos como são as coisas: o livro foi um sucesso, o filme deu aquela grana, aí vem o fogo de escrever uma segunda parte que pode render mais dólares nas livrarias e na sala de cinemas – já se fala em um segundo filme baseado no novo livro -, então vamos dar um jeito.

Em “Jogador Número Dois”, Wade Watts, que havia vencido o desafio de James Halliday e se tornado o herdeiro de sua empresa, descobre que o gênio da informática havia desenvolvido uma tecnologia que permite ao usuário acessar os cinco sentidos no ambiente virtual do OASIS, e logo o acessório se torna um sucesso. Essa descoberta, porém, leva a outra: Halliday havia criado um novo desafio para seu herdeiro, em que ele precisa reunir sete fragmentos para deixar inteira a misteriosa “Alma da Sereia”.

A questão é que Watts – cujo codinome no mundo virtual é Parzival – não tem a menor ideia de por onde começar, e o que vai acontecer se ele juntar os fragmentos. Enquanto tenta concluir o desafio, o protagonista terá que resolver outras questões, como o rompimento com Samantha – a Art3mis -, o retorno de um inimigo e uma ameaça virtual que pode matar centenas de milhões de pessoas.

O novo livro de Ernest Cline é bom, né?, mas claramente inferior ao original. Ele atualiza algumas questões que não se faziam presente em 2011, como a discussão de gênero, o haterismo na internet, o fato de que John Halliday não era esse santo que todos vendiam, e tem todas aquelas citações à cultura pop que adoramos, mas algumas coisas não funcionam.

Sem querer estragar com spoilers, digamos que o retorno de um certo personagem nada acrescenta à história, é totalmente gratuito; algumas das missões para conseguir os pedaços da Alma da Sereia ou são mal desenvolvidos – no estilo “vim pegar o fragmento”, “tá bom, toma” – ou demoram demais, como na quest em que precisam enfrentar sete versões do cantor Prince. Ao mesmo tempo, a missão no planeta inspirado em filmes do diretor John Hughes é um dos melhores momentos da trama, com sua resolução enciclopédica.

No final das contas, “Jogador Número Dois” ainda diverte como ficção científica e cata-piolho (entendedores entenderão) de cultura nerd – porém inferior ao original -, e aposto dois palitos que este será um caso de filme (se houver) melhor que o livro.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

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