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“Star Trek: Discovery”, audaciosamente indo aonde nenhuma série jamais esteve

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Oi, gente.

Trabalhar em algum filme ou série de “Star Trek”, seja como ator, diretor, roteirista, produtor, o cara que assina apólices complicadas, é o Cão da Depressão. A franquia pode não ter o mesmo número de fãs de “Star Wars”, mas com certeza eles são igualmente apaixonados, dedicados, críticos, detalhistas e… chatos em diversas ocasiões, e infelizmente a internet amplifica essa meia dúzia de vozes que reclama de qualquer coisa que não tenha sido produzida nos anos 60.

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Muito disso se justifica pelo fato de que, por mais que seja outro produto na prateleira da cultura pop, “Star Trek” não se resume a discutir qual nave é a mais bonita, o melhor capitão, debater filigranas sobre onde deveriam estar os Tubos Jefferies na Voyager, se o Universo Kelvin faz parte do cânone (e faz): “Jornada nas Estrelas” é sobre os seres humanos, seu potencial, a esperança em um futuro melhor e o quanto somos capazes de criar esse futuro.

E “Star Trek: Discovery”, cuja terceira temporada encerrou-se na última sexta-feira na Netflix, tem muito desse espírito de “ST”, principalmente por audaciosamente ir aonde nenhuma série jamais esteve.

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(A partir daqui cuidado com spoilers, ok? Spoilers. SPOILERS.)

Desde sua primeira temporada, ainda que passada cerca de uma década antes dos eventos da Série Original, “ST: Discovery” sempre buscou ampliar o escopo do universo de “Star Trek”, e o final da segunda temporada deixou isso bem claro ao encerrar seu último episódio jogando a Discovery e sua tripulação literalmente no desconhecido: mais de 900 anos no futuro, para impedir que o universo fosse destruído no século XXIII, e com isso foram apagados todos os registros da NCC-1031 na Frota Estelar – boa solução para explicar o motivo de nunca terem falado do tal motor de esporos.

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Até “Star Trek: Enterprise”, a diretriz em “Jornada nas Estrelas” era seguir o padrão “planeta da semana” ou desenvolver a trama no interior de uma nave ou base estelar, a exemplo das aventuras de Kirk e Spock, com pequenas variações em “Deep Space 9” e “Voyager”. “Enterprise”, porém, já havia ousado em sua terceira temporada, quando a NX-01 foi atrás dos Xindi em seu próprio quintal, mas a Terra não estava “longe”. Em “Discovery”, porém, Michael Burnham (Sonequa Martin-Green) e a tripulação estavam sem chance de voltar para sua época, sozinhos e em território desconhecido.

E que território desconhecido! A Federação Unida de Planetas estava em ruínas depois que um evento, a Combustão, havia destruído milhares de naves estelares com capacidade de dobra quando o dilítio que permitia as viagens interestelares entrou em… combustão. A maioria dos planetas, incluindo a Terra e Vulcano, abandonou a Federação e se tornou isolacionista, a exemplo do que já lemos nos livros de história quando o bicho pega. A galáxia virou terra de ninguém e um paraíso para aproveitadores.

Foi jogada arriscada, que deve ter irritado alguns fãs mais conservadores, principalmente a turma que diz que tudo que veio depois da Série Original “não é ‘Star Trek'”. Em maior ou menor grau, é uma galera que não aceita que mexam no que consideram os “dogmas” da série – um deles, a infalibilidade da Federação de Planetas, que (exceto um ou outro almirante da Frota Estelar) sempre zelou pela paz, harmonia, coisa e tal. É um povo que, até hoje, não aceita que o Universo Kelvin faz parte do cânone.

Mas ficção científica, na minha reles ignorância, é isso: pular no desconhecido, arriscar com as infinitas possibilidades do futuro, flertar com a distopia. Até mesmo a história já nos mostrou que basta um único evento para derrubar os castelos de areia de impérios que imaginavam poder durar pelo menos mil anos. E a produção da série foi feliz ao especular um futuro que jamais veremos, tempo suficiente para a Discovery ser não apenas uma excentricidade de museu, mas também chocar a tripulação que descobriu que bastou um único evento para, no espaço de um século, jogar por terra tudo que foi construído durante o terceiro milênio.

Com um território desconhecido para explorar, “Star Trek: Discovery” ofereceu aos fãs a melhor temporada da série. Foi ficção científica de primeira categoria, com efeitos especiais que a Série Original jamais poderia ter sonhado; cenas de ação; reviravoltas; reencontros com espécies amadas pelo público; novos desafios; fan services que ajudam a história a avançar; uma nova visita ao Universo Espelho; novos personagens, incluindo um não-binário, e desenvolvimento de outros já conhecidos, principalmente Saru (Doug Jones) e a alferes Tilly (Mary Wiseman), e gostamos muito de ver o restante da tripulação com maior destaque; e uma season finale emocionante, daquelas que nos fazem dizer “não vou chorar”.

Mas, principalmente, a terceira temporada de “Star Trek: Discovery” foi sobre esperança, algo que tem faltado a nós em tempos de pandemia. “Star Trek” sempre teve em suas séries e filmes, mesmo nos momentos mais sombrios, a mensagem de otimismo e esperança de que a humanidade seria capaz de superar as diferenças para criar uma sociedade livre de guerras, preconceitos, desigualdades, em que todos avançariam unidos em busca do aperfeiçoamento individual em favor da coletividade. Assistir à tripulação da Discovery fiel a esses princípios, mesmo quando tudo conspirava contra, faz com que “Jornada nas Estrelas” seja uma das poucas coisas nessa vida que me ajudam a ter alguma fé na humanidade e no futuro. E isso não é pouca coisa para um produto da cultura pop.

Vida longa e próspera.

(E não esqueça: depois de ler a coluna, bora ouvir nossa playlist. Tá lá no Spotify e Deezer)

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