Oi, gente.
Gostaria muito, mas muito mesmo, de ter o talento necessário para cantar, fazer música, escrever poesia, roteiros para cinema ou TV, até mesmo ser diretor de alguma coisa. Porém, além fazer alguém acreditar que posso ser jornalista, o máximo que consegui foi escrever alguns capítulos de radioteatro e uma peça para a faculdade. Talvez um dia escreva um livro, o que não quer dizer que serei um bom romancista. Mas isso não impede que tenhamos um pouco de senso crítico (será?) para avaliar o trabalho alheio e fiquemos sinceramente felizes – como é bom ver gente com talento! – quando nos deparamos com uma grande obra.
E “Chernobyl”, a minissérie exibida recentemente pela HBO, é uma dessas obras-primas da televisão que merecem ser assistidas, recomendadas, elogiadas, ah como esse bagulho foi bom de assistir. Parafraseando os Raimundos, é uma história complicada de se contar, mas perfeitinha em seus cinco excepcionais capítulos.
Pequeno resumo: em 26 de abril de 1986, um dos quatro reatores da usina nuclear de Chernobyl, na antiga União Soviética, explodiu, matou um monte de gente na hora e ficou com o material radioativo exposto, que viajou pelos céus por milhares de quilômetros, matou um número indefinido de pessoas (dizem ser milhares), contaminou animais, vegetação, transformou milhares de quilômetros quadrados em terra de ninguém, que hoje fazem parte da Ucrânia e Belarus. Para piorar, o governo soviético fez tudo para encobrir o desastre e ainda foi incompetente e omisso – pra dizer o mínimo – no que diz respeito a alertar a população e realizar a evacuação.
Apesar de ser uma história das mais trágicas do século XX, Chernobyl não havia ganhado uma produção que retratasse os fatos devidamente – se pensarmos bem, às vezes foi até bom ter demorado, poderíamos ter uma espécie de filme-catástrofe dirigido por Michael Bay com tudo explodindo e o gente boa The Rock como um cientista que salta 15 metros sobre o reator para salvar a filha que não via há anos.
Digressões à parte, que bom que o trabalho ficou nas mãos de Craig Mazin, conhecido como roteirista da comédia “Se beber não case” mas que mostrou que sabe fazer coisa muito séria. O sujeito merece todos os méritos, pois a coprodução da HBO e Sky Atlantic é uma aula sobre como contar uma história sob a perspectiva não dos figurões da época, mas sim de quem viveu o drama de perto – e pagou com a vida por isso horas, dias, semanas, meses e anos depois, tudo dependia da exposição ao material radioativo.
Os cinco episódios da minissérie são dedicados a mostrar como um grupo de pessoas teve que lidar, no calor do momento, com um desastre de proporções inimagináveis e para o qual estavam todos despreparados – fossem os funcionários da usina, cientistas, bombeiros, militares, a população civil. E tendo que lidar com burocratas mais preocupados em ocultar a tragédia e sua incompetência, chefes relapsos e um governo disposto a esconder a tragédia de tudo e de todos.
Por isso, “Chernobyl” mostra como pessoas comuns, anônimas, tiveram que lidar com o caos seguido da explosão do reator nuclear, as tentativas desesperadas de conter o incêndio, o vazamento de material radioativo, o socorro aos feridos, a evacuação da população, as medidas tomadas nas semanas seguintes, o desespero de quem via entes queridos morrendo lenta e dolorosamente à sua frente, sem ter o que fazer.
Mesmo com um ritmo propositalmente lento, a minissérie consegue prender o espectador, entre outros motivos, pela forma como a história é contada, a identificação com os personagens e o roteiro muito bem amarrado – que tem seu ponto alto no último capítulo, uma aula de narrativa em que os momentos anteriores à explosão do reator são enfim exibidos, ao mesmo tempo em que ocorre o julgamento dos acusados de provocarem a tragédia.
Para “Chernobyl” funcionar, entretanto, era preciso ter um elenco à altura da história, e nesse ponto a minissérie conta com nomes como Emily Watson, Paul Ritter, Stellan Skarsgård e, principalmente, Jared Harris, que tem uma dessas atuações que merecem ganhar todos os prêmios no papel do protagonista, o cientista Valery Legasov. Difícil, muito difícil mesmo, encontrar um elenco com tantas atuações espetaculares em uma mesma produção.
Se o que já escrevemos não for suficiente para despertar a curiosidade da ah miga leitora e do ah migo leitor, vamos tentar de novo. “Chernobyl” é uma produção sobre como a incompetência, a vaidade, a concentração e desejo de poder, negligência, burocracia, o medo, regimes totalitários, interesses escusos, a arrogância, o carreirismo, a produtividade acima da humanidade podem provocar tragédias que afetam milhares, milhões de vidas, e cujos efeitos serão sentidos por gerações que não cabem nos dedos das mãos.
Ou seja: duvido que você encontre algo melhor que “Chernobyl” na televisão.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.