Oi, gente.
Os anúncios da exibição em curta temporada de uma versão remasterizada de “Matrix”, comemorando os 20 anos de seu lançamento, além de um quarto filme da franquia, serviram para que eu tomasse vergonha na cara e enfim escrevesse sobre um dos grandes filmes lançados no final do milênio passado. Na verdade, um dos maiores filmes da história: quem tem menos de 20 anos, ou está com seus 25 a 27 anos, dificilmente tem noção da importância do longa dos então Irmãos (hoje Irmãs) Wachowski para o cinema.
“Matrix” foi muitas coisas no seu lançamento, em março de 1999 nos Estados Unidos e dois meses depois no Brasil: revolucionário, influente, responsável por uma nova forma de pensar a sétima arte. Sob muitos aspectos, transformou inúmeros filmes de ação, ficção científica e afins lançados no mesmo ano, mas depois dele, em coisas anacrônicas, quase um “velho cinema”. E essa lista inclui “Star Wars: A ameaça fantasma”, que já seria uma decepção por si só.
Alguns dos elementos marcantes de “Matrix” são facilmente identificáveis e estão por aí até hoje, pois deixaram marcas profundas na cultura pop. Basta lembrar, por exemplo, dos códigos verdes da Matrix escritos com ideogramas japoneses, que na verdade eram receitas de sushi (!); as pílulas azul e vermelha que Morpheus oferece a Neo; os figurinos (óculos escuros, roupas de couro, o terno preto do Agente Smith) copiados em festas a fantasia, cosplays, que muita gente usava no cotidiano; a pose marrenta dos protagonistas; a filosofia e nossa relação com a tecnologia (vivemos ou não em uma simulação?); e, claro, Keanu Reeves como um cara legal.
“Matrix” revolucionou a sétima arte por um trem – e põe trem nisso – de motivos, mas não foi fácil. Antes da mudança de gênero, os irmãos Andy e Larry (hoje Lana e Lilly) Wachowski eram quase desconhecidos em Hollywood. A única experiência atrás das câmeras era com um policial, “Ligadas pelo desejo”, em que um casal de mulheres planeja roubar um mafioso. Graças ao produtor Joel Silver, eles/elas conseguiram que a Warner Bros. investisse US$ 60 milhões num projeto tão ambicioso. O resultado? A maior bilheteria do estúdio até então, com US$ 465 milhões, e um dos últimos blockbusters lançados com uma história ao mesmo tempo original e cheia de camadas e interpretações.
E por que “Matrix” é revolucionário e influente até hoje? Primeiro pelas mais variadas influências: o “Mito da caverna”, de Platão; filmes de artes marciais; animes como “Ghost in the Shell” e “Akira”; religião; os quadrinhos “Os Invisíveis”, de Grant Morrison; e livros, muitos livros, como “Simulacros e Simulação” (Jean Baudrillard), “Alice no País das Maravilhas” (Lewis Carroll), “Admirável mundo novo” (Aldous Huxley), “1984” (George Orwell) e “Neuromancer”, clássico cyberpunk de William Gibson.
São tantas as referências que vale registrar que a Gangrena Gasosa, célebre banda carioca de saravá metal, gravou “Eu não entendi Matrix” depois que um de seus integrantes conheceu um cara que disse ter entendido bulhufas da história. Sabe, né? Esse lance de mulher andando pela parede, “bisôro” entrando na barriga do cara, a tia do biscoito, o repeat do miau…
Mas chega de digressões. A partir dessas influências temos um novo tipo de jornada do herói, com o protagonista Neo (Keanu Reeves) descobrindo que era o aguardado “salvador” da humanidade e vivia em uma simulação da realidade controlada por máquinas dotadas de inteligência artificial. Os figurinos, cenários, lutas, trilha sonora, diálogos e personagens influenciaram não apenas os filmes de ação e sci-fi, também ajudaram a definir a estética de muitas adaptações dos quadrinhos para o cinema. E os efeitos especiais, claro: foi com “Matrix” que o “bullet time”, efeito em que o tempo parece se congelar enquanto a câmera gira ao redor dos personagens, foi aperfeiçoado e se tornou popular. Pena que, de tão utilizado, ele ficou banalizado e muitos evitam utilizar o recurso.
Tive o privilégio de assistir a “Matrix” no cinema quando foi lançado, e lembro na época o impacto que a história teve num monte de gente. Hoje em dia, com todos esses filmes de super-heróis e tantas produções que se inspiraram no longa das Wachowski, a reação dos mais jovens pode ser do tipo “ah, legal, né?”. Naquela época, porém, quando não havia internet e a informação era escassa, “Matrix” foi um soco no plexo solar emocional. O filme tinha um visual todo próprio, com essas coisas cyberpunk, estilosas, com cenas de ação e efeitos especiais que chamavam a atenção, e referências e influências que fomos assimilando com o passar dos anos. Lembro o quanto aquela parte do Neo “lendo” a Matrix, ou quando ele desliga o telefone e sai voando, que dava vontade de bater palma e dizer “cara, que filmaço!”.
Assistimos a “Matrix” no último final de semana para escrever a coluna. Mas não foi a versão remasterizada do cinema, e sim o DVD da caixa que compramos anos atrás, na Americanas, com a trilogia. Há tempos não assistia ao filme na íntegra, e podemos afirmar que o longa, como um todo, envelheceu bem. “Matrix” segue clássico, muitas de suas questões filosóficas permanecem atuais, e a maioria das cenas mantém o impacto e a emoção de décadas passadas. Em perspectiva, lembrando tudo o que saiu depois, dá para perceber o quanto o longa influenciou o cinema em geral.
É claro que “Matrix” tem alguns poréns por conta do tempo, da tecnologia e da própria narrativa cinematográfica, que são outros em 2019. Os efeitos especiais, ainda que revolucionários, pagam o preço dos avanços dos últimos 20 anos em algumas passagens, e sempre há o fato de que suas duas continuações, “Reloaded” e “Revolutions”, estavam abaixo do material original. Mesmo assim, o filme das Irmãs Wachowski continua sendo um clássico que fica na mesma prateleira de um “Blade Runner”, um “2001”, e ainda suscita muitas reflexões a respeito do que acreditamos ou não ser real, além de tantas outras questões filosóficas que provavelmente jamais resolveremos.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.