Oi, gente.
Continuamos a saga de recuperar nos escaninhos da memória alguns dos álbuns mais importantes de 1988, ano em que rolou de tudo um pouco por aí. Assinatura da Constituição, eleição municipais, Olimpíadas em Seul, Chacrinha morrendo… Numa triste época em que nossas memórias físicas e insubstituíveis se tornam cinzas, vamos relembrar – e também apresentar para as novas gerações – um pouco daquilo que é imaterialmente resistente ao tempo. A não ser que coloquem fogo na internet depois de diminuírem as verbas de manutenção. Para esta semana temos R.E.M., Siouxsie and The Banshees, Slayer, N.W.A. e Beat Happening.
R.E.M., “GREEN”
O R.E.M. era considerado o maior grupo de rock alternativo da América quando deixou a independente I.R.S. para assinar com a gigante Warnes Bros. Apesar das acusações de terem se vendido, o quarteto formado por Michael Stipe, Bill Berry, Peter Buck e Mike Mills assinou com a gravadora que topou dar a eles liberdade criativa total, ao invés de falarem “beleza” para quem ofereceu mais grana.
O resultado foi o estupendo “Green”, sexto álbum da banda de Athens, Georgia, um apanhado de faixas de forte teor político e irônico e de um rock capaz de estremecer arenas e manter um apelo pop ao mesmo tempo, até mesmo superando em vários momentos as qualidades de “Document”, o trabalho anterior. Dentre os destaques do álbum estão a faixa de abertura, “Pop Song 89”, e canções que fizeram parte por anos do repertório de shows do R.E.M., como “Orange Crush”, “Stand”, “Turn you inside-out” e “Get up”.
BEAT HAPPENING, “JAMBOREE”
O Beat Happening era uma das bandas mais amadas e peculiares do indie rock americano nas décadas de 80 e 90. O som do trio formado por Calvin Johnson, Heather Lewis e Bret Lunsford se resumia a vocal, guitarra e bateria, sem se preocupar com técnicas de produção, virtuosismo musical e oferecia letras de uma simplicidade cativante.
“Jamboree”, segundo álbum do grupo, é um dos melhores exemplos dessa cartilha, apresentando pérolas como “Indian summer”, “Bewitched”, “In between”, “Cat walk” e “Hangman”, que raramente ultrapassam os três minutos de duração. Nos vocais, a voz grave de Calvin Johnson é a que chama mais atenção, mas as faixas cantadas por Heather também estão entre as mais queridas dos fãs.
No total, o Beat Happening lançou cinco álbuns pela sua K Records e nunca encerrou as atividades oficialmente, apesar do último disco da banda ser “You turn me on”, de 1992. Vai que eles voltam dia desses.
SLAYER, “SOUTH OF HEAVEN”
Quando lançou seu quarto trabalho de estúdio, o Slayer já era uma das maiores bandas de thrash metal do mundo, graças aos clássicos “Show no mercy”, “Hell awaits” e “Reign in blood”, marcados por guitarras em velocidade de dobra 8, letras apocalípticas sobre guerra, destruição, morte e outros temas de fácil digestão. Teria sido fácil para o quarteto então formado por Tom Araya, Kerry King, Dave Lombardo e Jeff Hanneman fazer um novo álbum tão bom quanto ao apostar na fórmula de sempre.
Pois “South of Heaven” se mostrou tão clássico quanto seus antecessores, mas foi um ponto de virada na carreira da banda que dividiu os fãs. Produzido pelo lendário Rick Rubin, o disco apostou numa sonoridade tão pesada quanto antes, porém com as guitarras em velocidade mais cadenciada e Tom Araya deixando de lado os tons mais agudos de seus vocais. O resultado é que ganhamos clássicos como a faixa-título, “Live undead”, “Mandatory suicide”, “Ghosts of War” e “Silent scream”.
N.W.A., “STRAIGHT OUTTA COMPTON”
O álbum “oficial” (antes houve o “N.W.A. and The Posse”) de estreia do N.W.A. é considerado por muitos como o marco zero do gangsta rap, subgênero marcado por letras misóginas, hedonistas, sexistas, sobre violência – tanto entre a população negra quanto a da polícia contra os afroamericanos – e, posteriormente, de acerto de contas entre os rappers e exibição de quem tem mais grana e armas. Apesar do conteúdo controverso, era o melhor retrato em ritmo e poesia do violento e desolador cotidiano de Compton, na Califórnia.
O N.W.A. (Niggaz Wit Attitudes) era basicamente a Seleção de 70 do rap, tendo em sua formação nada menos que Eazy E (morto em 1995), Dr. Dre, Ice Cube, DJ Yella, MC Ren e Arabian Prince, que saiu do grupo durante as gravações do álbum. O resultado são canções que marcaram época, como a própria “Straight outta Compton”, “Fuck tha police”, “Gangsta Gangsta”, “Parental Discretion iz Advised” e “Express yourself”.
SIOUXSIE AND THE BANSHEES, “PEEPSHOW”
Álbum de número nove na discografia de estúdio da banda, “Peepshow” é considerado até hoje um dos melhores e mais ousados trabalhos do grupo formado em 1976 por Siouxsie Sioux e Steven Severin. Se nos primórdios o Siouxsie and The Banshees era visto como uma das melhores ideias do punk/pós-punk/gótico inglês, agora eles mergulhavam de vez num formato mais popular, porém com uma diversidade de experimentações que fazem o trabalho ficar acima da média.
O pop-rock-algo gótico de “Peepshow” ganha tons memoráveis graças a “Peek-a-Boo”, primeiro sucesso dos Banshees na América, mas também por faixas ainda inesquecíveis como “The Killing Jar”, “The last beat of my heart” e “Scarecrow”.
A coluna desta semana é dedicada a Carlos Eduardo Santos de Souza, o Kdu. Amigo de mais de 20 anos, que conheci nos primórdios de meus dias nas rádios comunitárias de Volta Redonda, era um apaixonado pelo fazer rádio, pela música – em especial por aquela dos anos 80, que conhecia como poucos. E o maior fã de Raul Seixas que já conheci. Foi ele que em nosso último encontro dos Amigos da Cidadania, em julho, me deu a inspiração para fazer a coluna sobre o Sigue Sigue Sputnik.
Era – ou melhor, ainda é; as boas pessoas nunca morrem em nossos corações – um sujeito carismático, de riso fácil, brincalhão, firme em suas opiniões mas sempre disposto a ouvir o outro – e capaz de mudar sua posição se fosse o caso.
Kdu nos deixou no último domingo, novo demais, cedo demais, e vai fazer uma falta danada em nossos próximo encontros. Mas com certeza continuaremos a rir de algumas de suas melhores histórias, pois a tristeza da perda será compensada pelas memórias dos bons momentos vividos.
Obrigado por tudo, meu bom.