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É “Sandman” sem Sandman, mas tá valendo

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Oi, gente.

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“Sandman”, a série em quadrinhos que transformou Neil Gaiman num sujeito conhecido, sempre deu a impressão de que só existiu nas 75 edições originais, entre 1988 e 1996. A verdade, entretanto, é que não falta material ligado ao universo criado pelo escritor inglês. Temos minisséries (“Morte: O grande momento da vida”), algumas séries derivadas (“Os Livros da Magia”, “O Sonhar”, “Lúcifer”), edições especiais (“As Fúrias”, “Os Caçadores de Sonhos”), graphic novels para crianças protagonizadas por Delírio, um dos Perpétuos. Em geral, histórias sem a participação de Morpheus e em raras oportunidades escritas por Gaiman, que retornou pra valer apenas em “Sandman – Prelúdio”.

Daí que temos um motivo para o auê que se criou quando a DC Comics anunciou em 2018 novos títulos ligados à série original, com orientação direta do próprio marido da Amanda Palmer. São quatro séries, no total: “O Sonhar”, “Lúcifer”, “Os Livros da Magia” e “A Casa dos Sussurros”, com equipes criativas diferentes; também foi publicada a edição especial “O universo de Sandman”, que ajuda o leitor a se preparar para o que virá. Os títulos ganharam encadernados no Brasil, via Panini, e já conferimos os dois primeiros. Podemos afirmar que o material honra o trabalho de Neil Gaiman em “Sandman”, com personalidade própria e ampliando/completanto a mitologia criada pelo escritor.

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Então vamos lá. O primeiro volume de “O Sonhar”, “Caminhos e emanações”, tem roteiro de Simon Spurrier e desenhos da brasileira Bilquis Evely, além de capas de Jae Lee. Assim como em “Sandman”, a revista começa com uma ausência e uma confusão dos diabos. Daniel, o novo Rei do Sonhar, desapareceu, deixando seus domínios em completo caos. Quem assume, no início, a função de tentar controlar a situação é o bibliotecário Lucien, com ajuda de personagens já conhecidos: o corvo Matthew, Mervyn Cabeça-de-Abóbora, Eva, Caim e Abel.

Só que a situação é muito pior do que poderiam imaginar. O Sonhar começou a se fragmentar, o que desperta a cobiça de criaturas demoníacas; uma nova e misteriosa criatura aparece sem dizer a que veio; antigas criações de Morpheus, há muito presas e esquecidas, ganham a liberdade, tornando a situação ainda pior ao adotarem posturas que podemos considerar… autocráticas. Dentre os novos personagens, o destaque vai para Dora, capaz de criar portais entre os sonhos mas que desconhece o próprio passado. Apesar de irritante em alguns momentos (é até mais teimosa que a Kate de “Lost”), ela consegue cativar o leitor.

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É de se esperar, óbvio, que Simon Spurrier apresente uma visão particular para a série. Ainda que não tenha a genialidade de Neil Gaiman, as primeiras edições de “O Sonhar” escritas por ele são muito boas, resgatando personagens queridos do público, mantendo suas essências e ampliando de forma satisfatória esse universo. E a arte de Bilquis Evely casa muito bem com esse mundo onírico, inegavelmente superior à arte tosca que era o ponto fraco de muitas edições de “Sandman”.

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Assim como “O Sonhar”, “Lúcifer” também se arrisca pelo caos logo no início, e prende nossa atenção nesse primeiro arco, “A Infernal Comédia”, com roteiro de Dan Watters e desenhos de Max e Sebastian Fiumara. É a volta nada gloriosa de Lúcifer Estrela da Manhã, que surgiu inicialmente nas páginas de “Sandman” e chegou a ganhar série própria entre 200 e 2006.

Para o leitor e a leitora que não conhecem o figurão, uma pequena explicação é necessária. O Lúcifer de Neil Gaiman é aquele Lúcifer mesmo, o Diabo, Capeta, Coisa Ruim, Tinhoso, o Senhor do Inferno. Porém, no arco “A Estação das Brumas”, ele decide abandonar o Inferno, expulsa todos os demônios e condenados de seus domínios, tranca os portões e entrega as chaves a Morpheus, que inesperadamente se vê dono de um reino que não o interessa e passa a ser assediado por toda sorte de criaturas. Livre, leve e solto, Lúcifer vai curtir a vida e se torna dono de um bar em Los Angeles, o que é mostrado na série derivada.

Em sua nova série, o Anjo Caído abandonou tudo e desapareceu, sumiu da face da Terra, e ninguém consegue encontrá-lo. Descobrimos que Lúcifer está numa cidade desconhecida, cego, praticamente sem poderes, sem memória, sem saber como chegou até lá, mas doido para fugir – o que tem se mostrado impossível, pois forças desconhecidas agem para que ele permaneça ali. Para piorar, uma de suas esposas, Sycorax, e figuras com as quais fez acordos no passado – e obviamente foram enganadas por ele – também estão lá, algumas doidas para dar o troco com requintes de crueldade. É o Diabo comendo o pão que ele mesmo amassou.

Ao mesmo tempo, duas histórias correm em paralelo, e em algum momento irão se cruzar. Numa delas, Mazikeen e Calibã, o filho de Lúcifer, tentam descobrir o que aconteceu com ele; na outra, um policial aposentado, recém-viúvo, descobre que a amada tinha segredos pré-casório que ele ignorava por completo, e vai mergulhar em situações macabras que o levarão à beira da loucura.
Se a trama parece confusa, a princípio, afinal é muita coisa acontecendo, ela tem as pontas soltas amarradas com o passar das edições. Temos bons momentos de terror e violência, com mutilações e coisas do gênero, e a arte dos irmãos Fiumara ajuda a compor o contexto de um título que deve agradar aos fãs.

Os dois primeiros encadernados de “O universo de Sandman” mostram que há muita história boa a ser contada, e já estamos na expectativa pelos arcos iniciais de “A Casa dos Sussurros” e “Os Livros da Magia” – acompanhados, claro, da nossa playlist no Spotify, “…E obrigado pelos peixes”, que você pode seguir sem medo de assombração.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

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