“Waiver”: um golpe na credibilidade fiscal

Por Conjuntura e Mercados

26/10/2021 às 07h00 - Atualizada 25/10/2021 às 16h52

As incertezas fiscais para o próximo ano dizem respeito não somente ao tamanho da despesa primária, mas também ao próprio conjunto de regras que precisarão ser empregadas. A pressão tem origem tanto nos gastos com precatórios e sentenças judiciais quanto na criação do programa Auxílio Brasil, que ainda não possui fonte de recursos definida e terá parte dos recursos contabilizados fora do teto de gastos.

Anunciado na última semana pelo ministro da Cidadania, o Auxílio Brasil deverá substituir simultaneamente o Bolsa Família e o Auxílio Emergencial, tendo previsão de início para novembro deste ano. De acordo com o ministro, será elaborado um “benefício transitório” para que as famílias recebam, até o final de 2022, no mínimo R$ 400 mensais. Após esta fase, o novo programa representará um reajuste de 20% em relação aos valores pagos atualmente pelo Bolsa Família.

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Enquanto o Bolsa Família atende 14,7 milhões de famílias a um custo de R$ 23,8 bilhões – excluindo os gastos na rubrica do Auxílio Emergencial – é previsto que o Auxílio Brasil atenda 17 milhões de famílias a um custo total de R$ 75 bilhões em 2022. Deste total, R$ 47 bilhões seriam referentes ao seu valor permanente, enquanto os outros R$ 28 bilhões seriam relativos ao benefício transitório, com fim no próximo ano.

Esse incremento orçamentário deverá ser financiado pela PEC dos precatórios – uma manobra fiscal que, a partir do parcelamento de despesas judiciais obrigatórias, irá liberar R$ 15 bilhões do orçamento público em 2021 e cerca de R$ 83 bilhões no ano de 2022. A outra parte dos recursos será proveniente de alterações no teto de gastos – a principal âncora fiscal do país.

Apesar de um Bolsa Família com mais recursos ter a capacidade de sustentar a atividade econômica ao distribuir dinheiro à população que mais precisa, a falta de financiamento adequado gera incerteza ao criar um “waiver” (licença para gastar). O termo ficou famoso nos anos 1980, quando o Governo brasileiro precisava criar um termo de compromisso aos seus credores diante da incapacidade de cumprir com os ajustes econômicos prometidos. O termo combinava um pedido de perdão com a promessa de que novos esforços seriam feitos posteriormente.

Além de alongar o prazo necessário para que o Governo seja capaz de gerar superávit e estabilizar o crescimento da dívida pública, a incerteza econômica gerada pelo não respeito às regras fiscais leva a um cenário desafiador, com depreciação cambial, aumento da inflação e ajustes mais expressivos da taxa de juros – os quais têm impacto direto na atividade econômica e no desemprego. Por fim, ao enfraquecer o teto de gastos, a economia brasileira se tornou mais vulnerável às volatilidades do período eleitoral em 2022.

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