Se nas relações interpessoais cabe aos indivíduos definir, por critérios muitas vezes subjetivos, em quem podem confiar, quando se trata de empresas e governos esse julgamento é delegado às agências de rating (ou de classificação de risco). Estas definem, em escalas próprias e também por critérios muitas vezes subjetivos, se uma empresa ou governo é sólido e confiável o suficiente para que o empréstimo a eles seja seguro ao invés de especulativo ou passível de calote. Ter ‘grau de investimento’ (investment grade) significa que o ente agraciado com tal classificação pode captar poupança financeira interna (dos que poupam e investem na renda fixa nacional) ou de outros países (investidores estrangeiros). Por outro lado, ter ‘grau especulativo’ (speculative grade) significa fechar as portas para essa poupança. Desde 2015, o Brasil perdeu sua classificação de ‘grau de investimento’ para receber a de ‘grau especulativo’, logo num momento em que precisamos de poupança para alavancar investimentos e retomar o crescimento.
Em 2008, quando o Brasil ganhou o grau de investimento, falava-se da solidez com que o país passava pela crise. Em 2015, os custos da estratégia adotada para suavizar os efeitos da crise das hipotecas americanas finalmente apareceram: os elevados gastos públicos adotados para impulsionar a economia destruíram o superávit primário, tornando o Governo deficitário; o congelamento das tarifas públicas adotado à época para estimular o consumo precisou ser revisto, gerando a inflação de dois dígitos observada em 2015. Corrupção, inflação e contas do Governo no vermelho derrubaram o grau de investimento, justamente no momento em que o Governo precisa de dinheiro para fechar as contas e, mantido o discurso expansionista, estimular o investimento. Mas com inflação, sem o ajuste fiscal e sem grau de investimento, o dinheiro vem mais caro e com desconfiança. Muitos fundos estrangeiros foram obrigados a vender ativos no Brasil, pois, por força de contrato, não podem investir em ativos com grau especulativo. Estimativas dão conta de mais de US$ 12 bilhões deixando o país.
Mas há chance de melhorarmos nossa classificação? A dívida pública é central para entendermos o tamanho do problema. A diferença, se negativa, entre as receitas e os gastos do Governo é financiada pela emissão de títulos do Tesouro, gerando a dívida (interna, em reais, ou externa, em moeda estrangeira). Se a dívida é crescente, maior a chance de um calote. E nesse quesito nós estamos muito mal, podendo ainda piorar. A dívida das instâncias federal, estadual e municipal, em valores de novembro de 2015 (último dado disponível), soma R$ 3,8 trilhões ou 65% do PIB brasileiro, nível muito maior que a média dos países classificados como investment grade, que é de 43% do PIB. Para efeitos de comparação, em novembro de 2008, esse valor somava R$ 1,6 trilhões, ou 54,7% do PIB.
O remédio para trazer de volta a confiança dos investidores é impopular, por ser restritivo num primeiro momento. Maior controle nos gastos públicos (ajuste fiscal) e da inflação são o começo para que o Brasil atraia novamente capitais essenciais para financiar os investimentos das empresas e, a partir deles, gerar emprego e renda para as famílias. Como se vê, ajuste fiscal e crescimento podem coexistir, desde que preservada a ordem.
Por Bruno Medeiros, Gabriele Ribeiro Matheus M. Carvalho e Wilson Luiz Rotatori Corrêa. Email para cmcjr.ufjf@gmail.com