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Por mais qualificação e menos desigualdade

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Desde outubro, com a aprovação da PEC 66, empregados domésticos contam com direitos equiparáveis aos dos demais trabalhadores urbanos e rurais brasileiros. Parece incrível que tenha sido necessária uma emenda para garantir a eles direitos como salário mínimo efetivamente pago, jornada de trabalho de oito horas e condições dignas de higiene, saúde e segurança. Em vigor desde 2013, no mês passado foram adicionados outros sete benefícios: adicional noturno; recolhimento do FGTS por parte do empregador; seguro-desemprego; salário-família; auxílio-creche e pré-escola, seguro contra acidentes de trabalho e indenização em caso de despedida sem justa causa.

Ainda que garanta nada mais que o básico, a emenda é vista como um avanço num país em que 72% dos trabalhadores domésticos são contratados sem registro em carteira. E eles não são poucos. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Domicílios (PNAD) do IBGE, trabalhadores domésticos representam 6,5% (seis milhões) dos 92 milhões de ocupados no país no final do primeiro trimestre desse ano. Entre eles, 92,6% são mulheres, com rendimento médio mensal de R$ 728,59. Um contingente de pessoas sem acesso ao que se pode chamar de ‘mercado formal de trabalho’, sem direito a ficar doente, a ter e cuidar de seus filhos, a se aposentar, a obter promoções na carreira, a almejar uma condição social mais digna. Olhar para tal situação suscita três reflexões imediatas: o vínculo de ‘trabalhador doméstico’ é, em todos os sentidos, comparável aos demais, em que o empregador é geralmente uma empresa regularmente constituída? Qual a viabilidade da ocupação ‘trabalhador doméstico’ no médio prazo? A aprovação da PEC 66 representa, de fato, um avanço para a categoria?

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Sobre a primeira questão, diferentemente do trabalhador empregado numa empresa, o trabalhador doméstico exerce suas funções numa residência, permanecendo, muitas vezes, sem supervisão de qualquer natureza. Nessas condições, o controle efetivo de intervalos, horas extras ou mesmo de produtividade ficam bastante comprometidos. Para o  professor de Direito da USP, Estêvão Mallet, não será fácil assegurar a eficácia da legislação aprovada, justamente por ser uma profissão em que é difícil fiscalizar e controlar as horas trabalhadas. Além disso, uma família, por não ser uma empresa, não tem fins lucrativos e não possui um setor de ‘pessoal’. O sistema de controle do trabalhador doméstico disponível (o eSocial) não integra rotinas administrativas importantes e que compõe a folha de pagamento de qualquer trabalhador devidamente registrado na CLT, como controle de ponto, apuração de horas extras, descontos e faltas, emissão de holerites, cálculos e emissão dos termos de férias e rescisão, guarda de comprovantes, anotações em carteira, entre outros. Logo, o empregador corre o risco de não cumprir a lei na sua totalidade, por não dispor de instrumentos para tal. Para fins fiscais, a Receita Federal explicou que o empregador pode até abater os gastos com o INSS do empregado na declaração do IR 2016 de forma integral, desde que a remuneração não exceda um salário mínimo. A lei ainda trouxe distorções entre empregadores pessoa física e jurídica, como a exigência do pagamento antecipado da multa de 40% por dispensa injustificada para os primeiros, diferente de uma empresa, que só paga depois da demissão.

Sobre a segunda questão, no médio prazo, é provável que muitas famílias não suportem o aumento dos encargos trabalhistas, que chegam a 20%. Nesse sentido, a lei pode diminuir postos de trabalho e estimular uma nova forma de trabalho informal, o de diaristas, que ainda não têm seus direitos garantidos. Para evitar isso, o Governo já pensa em regulamentar o trabalho de quem exerce atividade em residências por até duas vezes na semana. Portanto, manter financeiramente um trabalhador doméstico será cada vez mais difícil, qualquer que seja a frequência dele à residência.

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Resta a terceira questão. Em termos imediatos, a PEC possui um viés claramente arrecadatório, via cadastro dos trabalhadores informais (aumento da base de tributação) e da própria carga tributária, sendo esse o efeito imediato mais provável. Num país em que o rendimento médio do conjunto de trabalhadores não chega a R$ 1.800, parece claro que manter um trabalhador ao custo médio de R$ 1 mil só será possível pela manutenção de grandes desigualdades de renda (não sem razão, em países com distribuição de renda mais igualitária, a ocupação ‘trabalhador doméstico’ é praticamente inexistente) e que avanços para a categoria só ocorrerão pela via da qualificação desses trabalhadores e por uma economia aquecida, em que a oferta de postos de trabalho torne possível para eles, de fato, ascender socialmente.

Por Fernanda Finotti Cordeiro Perobelli – email para: cmcjr.ufjf@gmail.com

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