Arte e confinamento
Onde houver vida, a arte estará sempre pulsando, independendo das adversidades em redor. Como foi há mais de trinta mil anos, nas cavernas da França, uma criança empastou a mão em pó mineral vermelho e apertou-a de encontro à parede. Desde então, está lá a obra gravada. Assim também se deu no sertão do Piauí, no boqueirão da Pedra Furada, algo próximo dos quarenta mil anos, pai e filho desenharam cenas do cotidiano, caça corrida de animais, coisas assim. Daquele tempo aos dias presentes, milênios transcorridos, quem sabe exatamente quantos? Certo é que o tempo passa, e as dificuldades se transformam.
Das cavernas europeias ao árido sertão brasileiro e à pandemia atual, os fatos deixam bem claro que as adversidades são marcas temporais de cada civilização. E, nesse contexto do momento, na pequena gota de meu tempo contado dentro do oceano da história humana, somam-se um pouco mais de quatro décadas, que venho marcando minhas mãos nas telas, registrando a floresta Amazônica, o vasto interior das Gerais, ladrilhos de Pantaleone Arcuri, que desaparecem com as demolições urbanas, os Profetas do mestre Antônio Francisco Lisboa, hoje esquecidos e cobertos pelo pó do abandono, todos eternizados em minhas obras. Assim é a arte e o artista.
E se hoje estamos assolados pelo confinamento, não há de se estranhar, porque o isolamento é inerente ao trabalho do artista. É necessário que haja introspecção para que a obra frutifique. Contudo o distanciamento social que nos é imposto, impede o segundo e não menos importante momento da criação que é a exibição: quando a emoção brota aos olhos de quem observa a obra concluída. A pandemia furtou ao artista à consagração que resulta da apresentação de seu trabalho, o momento festivo, a conversa em redor da obra, a comemoração em sua máxima plenitude, a recompensa pelos meses de trabalho e solidão. A ambiguidade entre o silêncio do ateliê e o burburinho da galeria, agora é só o silêncio. O artista se vendo obrigado a sair de seu casulo, deixar a zona de conforto e enfrentar o estranho mundo da tecnologia, em sua exposição virtual. Novos tempos, novos dias, novos homens e artistas se reinventando.
É assim, vão-se os milênios, os séculos, as décadas, mas a arte está aí sempre, porque ela é a expressão máxima das nossas emoções, o maior legado que podemos deixar.
(Iriê Salomão é artista plástico e leitor convidado)