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Velhice significa chatice?

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Eu vou começar a crônica respondendo a essa pergunta do título. Velhice não significa chatice. Penso que não é a velhice – estação da vida de muita idade – que crava o comportamento ou o modo de ser ou o caráter daqueles que envelhecem. De todos nós, homens e mulheres que envelhecemos, independentemente da idade que a gente tenha, no momento. Quem define o seu envelhecimento é a pessoa que o constrói. Desde cedo. Esse rótulo que a sociedade inventou tem mais o objetivo de reprimir do que libertar a construção da individualidade da pessoa ao longo do tempo. Expressões, palavras e termos bem bonitos, leves e de fácil digestão emocional são criados para, no fundo, negar a velhice.

Eufemismos são vendidos para melhor aceitação de que já não somos os mesmos na gestão do nosso corpo e dos nossos movimentos cotidianos. Se você dirigir-se a alguém tratando o seu interlocutor de velho, você corre o sério risco de receber palavrões e cara fechada. Até mesmo, ofensas! Não é o politicamente sugerido, socialmente. Você deve falar, idoso, melhor idade, jovens de cabelos brancos e outras denominações que remetem ao comercial de margarina na TV, no café da manhã de uma família feliz. Corremos da velhice assim como o Sargento Garcia corria atrás do Zorro – seriado exibido, que eu via, na adolescência, na televisão do vizinho. Não temos escapatória: envelhecemos dia após dia. Há quem diga que já envelhecemos desde quando deixamos o útero materno, ou até mesmo quando mergulhado nele. E se pensarmos em outras afirmações científicas, a vida atual pode não ser a primeira viagem que estamos fazendo. O que vale dizer aqui é que o envelhecimento não é bem visto na nossa sociedade, que ideologicamente está direcionada para o consumo desordenado e compulsivo das gerações mais jovens. Sou o que consumo.

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Os anos acumulados não dão, inexoravelmente, atestado de boa conduta e índole às pessoas que ficam idosas, ou que envelhecem. Como nos adverte Ruy Barbosa, nascido em 5 de novembro de 1849, falecido em 1º de março de 1923, na vizinha e bela cidade de Petrópolis/RJ. Eminente jurista e político, entre outras funções públicas – nos chamou atenção quando se pronunciou que, “não se deixem enganar pelos cabelos brancos, pois os canalhas também envelhecem”. E a nossa sociedade tende a romantizar a idade, quase que automaticamente, ela nos passa a ideia de que, uma pessoa por ser idosa, naturalmente seu caráter é ilibado simbolizado pela idade que tem. Não é verdade. O noticiário policial está cheio de bandidos de mais idade. Bom caráter não passa necessariamente pela idade. Passa pela consciência e ética de cada um na convivência social e comunitária. E na velhice, aprendi na literatura especializada, que tal como a gente vive, assim, a gente envelhece. O meu caminho eu mesmo traço. Não é o que está fora da pessoa que comprova a sua postura na vida, com 60 anos ou mais, quando uma pessoa é considerada idosa no Brasil. E também atribuir adjetivos negativos aos mais idosos não é justo e nem verdadeiro. Para ser chato não precisa ter muita idade. Algumas pessoas são inconvenientes ou chatas mesmo, sem o avanço da idade. Escrevo essas linhas, de propósito, para desconstruir ideias, conceitos e visões negativas que são colocadas no nosso cotidiano e que são reforçadas pejorativamente para desqualificar e diminuir a dimensão humana do nosso caminho para o envelhecimento.

Envelhecer, eu percebo, que não é um mar de rosas. Mas também não é um território de vida só de espinhos. O que precisamos é de informação sobre essa fase tão importante da nossa vida. Até porque vamos viver bem mais, com certeza! Somente com educação e com muitas conversas públicas é que vamos re/construir uma outra forma de envelhecer, livre de preconceitos, tabus e mitos que teimam em encurtar as nossas possibilidades de viver e de ter vida com a idade que a gente tiver. Ainda mais com os anos acumulados pela “revolução da longevidade”, como nos aponta Dr. Alexandre Kalache, referência nos assuntos da longevidade humana. Essa desconstrução social acerca da velhice precisa ser feita o quanto antes. Os “novos velhos” tem um papel político muito importante a ser desenvolvido na direção de criar mais espaços na sociedade, na família e na cidade para as pessoas idosas: onde a chatice não terá lugar!

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