Site icon Tribuna de Minas

O inverno e a estação velhice

PUBLICIDADE

As estações climáticas do ano guardam entre si alusões e referências poéticas ao período da nossa existência humana. Não é raro, a gente encontrar nos livros, filósofos, poetas, salmistas e outros autores fazerem comparações das fases da nossa vida – infância, adolescência e envelhecimento – com a passagem das etapas da natureza em nós. Por exemplo, a primavera, o outono (nem tanto, eu acho) e o verão ficam relacionados às gerações mais jovens. A representação do sol, das flores e folhas viçosas. O inverno fica selado às pessoas mais idosas. É muito comum constatar nas leituras de poemas e outros gêneros literários, (fique atento caro leitor e leitora) a associação que é feita entre inverno e envelhecimento. Poeticamente, eu penso até que dá uma estética bonita e interessante. Uma bela imagem cinematográfica. Eu acho bonito! Eu curto o inverno. As pessoas ficam mais bonitas, mais elegantes. Vestem-se melhores. Parecem mais bonitas do que são.

O que não pode acontecer, mas, infelizmente acontece é a associação simbólica imediata que nós fazemos de que a velhice como o frio são insensíveis a qualquer nascimento. De ideias, de amores, de amizades, de encontros, de afetos e de vida. Por que será? Porque nós fomos criados e educados com muitos preconceitos e tabus na representação social, de que as pessoas idosas não dão mais frutos. São folhas secas e mortas que caem ao chão. Estão suscetíveis a qualquer vento. São pessoas frágeis, chatas, ranzinzas, mal humoradas e fechadas. Não só tem as mãos enfiadas nos bolsos das calças, como tem o coração trancado para a vida e para o outro. A imagem social dos mais idosos chega muito mal no nosso imaginário, na nossa cabeça.

PUBLICIDADE

A “velha do saco” diz bem sobre essa construção preconceituosa de que a velhice é feia e repugnante.Eu cresci com um medo danado da “velha do saco” me pegar, a cada recusa que dava no garfo durante as refeições: tinha que comer tudo, não deixar nada sobrar no prato, se não a “velha do saco” ia me levar. Que imagem eu fui criando na minha cabeça sobre essa senhora? Uma imagem negativa.De uma senhora horrorosa. E claro, que dá muito medo. Assim, foi também com a criação da imagem de Deus, que me foi passada, ainda no quarto de dormir. Deus é um velho barbudo, feio e mal humorado. Que olha tudo. Que vê tudo e que a qualquer hora vai me castigar.

Como desconstruir essas imagens? Como inverter ou mudar as estações? Vivendo a vida. Quem disse que o envelhecimento não pode dar frutos? Germinar para a vida? Na reconstrução de imagens reais e positivas sobre a fase do nosso desenvolvimento humano na velhice precisamos de educação. Desconstruir e tirar para fora de nós o que nos fizeram acreditar. O mundo mudou. Os tempos são outros. Vamos viver muito tempo. E lembrando mais uma vez do artista mineiro, “vamos precisar de todo mundo para banir a opressão”.

PUBLICIDADE

Diante da barbárie social e política que cresce dia-a-dia, novas formas de sociabilidades devem ser inventadas. A qualquer custo é fundamental a resistência em atos e comportamentos para salvar e guardar a humanidade dos homens. Não podemos celebrar a conquista da longevidade se não reconhecemos o espaço social das pessoas idosas. Se não respeitamos a preferência no atendimento público para as pessoas idosas. Se as pessoas idosas continuam a perder suas vidas no trânsito da cidade. Se vivem esquecidas e abandonadas na presença de seus familiares. Se não recebem visitas pingadas e rápidas em qualquer dia da semana em Instituições de Longa Permanência. Se a única voz que reconhecem é a do locutor do programa de rádio que é o seu melhor amigo, embora não sabe a cor dos seus olhos. É muita solidão que não larga os dias dos mais velhos (alguns).

A esperança me avisa que novas pessoas idosas estão fazendo da velhice outras estações. Faça frio, faça sol a vida não pára. Nem no inverno, nem na primavera, nem no outono e nem no verão. Para esse inverno que está fazendo na cidade, muito se falou sobre a sua chegada. E ele foi motivo de muitas conversas protocolares, tipo “quebra gelo” principalmente nas corridas de taxi ou de Uber. Ou no elevador! São aquelas conversas amareladas que não acrescentam nada para nós e nem para o nosso dia que está apenas começando ou para o fim de nossa jornada diária.
– Nossa que frio! – Finalmente, chegou o inverno! E a gente vai repetindo essas exclamações, mecanicamente. Na impossibilidade de expressar afeto, de desejar bom dia, como fez o Zeca Baleiro, de cumprimentar o português da padaria.

PUBLICIDADE
Exit mobile version