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Hora do Ângelus!

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Na minha adolescência engoli muitos silêncios dentro de casa. Com a mãe na mira angustiante de garantir o feijão, diante de um companheiro que agia como na fábula “a cigarra e a formiga”, atribuída a Esopo e recontada por Jean de La Fontaine em francês. Percebi, depois de passado um bom tempo, que ele se identificava mais com o inseto que emite um som alto e que avisa quando está vindo chuva. Meu pai não tinha ambição de futuro. Com limitação de educação formal, ele era dono de uma grande inteligência, paciência e talento na criação dos seus sonhos. Onde o artesanato feito na madeira o deixava no paraíso para enfrentar os desafios diários da vida concreta. Digamos assim, era o seu ponto de fuga da realidade. A cachaça que não bebia. Mesmo ouvindo “os nãos”, frequentes e esquentados da esposa, que sempre dizia, “isso não dá dinheiro”, ele não desistia do seu ofício. Carpinteiro pela influência do pai.

Artista da madeira na sequência de sua vida adulta, encontrou na criação do artesanato seu mundo interior. Sua arte. Sua válvula de escape. Colocava dinheiro em casa na lida de representante autônomo que foi.Vendia materiais de construção, em geral para algumas firmas que comercializavam produtos e itens nessa área. Tinha dois filhos para criar. E criou. E criaram, aos trancos e barrancos. Só Deus, sabe como!. Ainda sobre a adolescência, nos conceitos atualizados, entendo que fui um garoto introspectivo.

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Que além do futebol e da (na) rua, busquei segurança emocional na literatura do evangelho de Jesus.

Precisava muito de ter amparo, luz, proteção para a vida que crescia na minha alma, com desejos e medos. Meus pais preocupavam-se e lutavam para colocar pão em casa todos os dias. As crianças precisavam de ter o que comer. Ao lado da educação pública, que recebi e foi e é muito importante para a minha identidade, busquei Deus. Essa procura me deu um eixo, um sentido de equilíbrio e liberdade para ir para o mundo. Na verdade, caros leitores e leitoras, meu crescimento pessoal veio acompanhado de muitos frios na barriga – ansiedades e angústias – e estou em permanente construção permeado de muitas inseguranças e incertezas, mesmo antes da pandemia. Cresci com muitas faltas na alma. E continuarei vivendo com muitos buracos que nunca serão fechados. Aprendi com a falta, que ela nos move, nos coloca em movimento. Um movimento em busca de si mesmo. Esse é o caminho que não podemos fugir ou desviar: é assim que eu vejo.

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Uma das tantas ferramentas que utilizei e utilizo para as minhas faltas. Faltas para e de mim. O rádio é uma delas. Vale aqui o jargão popular. O rádio é uma boa companhia para a solidão. No meu tempo já tínhamos, claro, cães e gatos, mas sem a indústria forte dos pets com a falta de ter com quem conversar dentro de casa. Nesse instante. Na hora do ângelus. Às 18h, o toque da Ave-Maria, anunciando a chegada da noite, eu ia para o quarto. Sozinho. Rádio ligado na B-3. Na voz inconfundível do Padre Pimenta. Rezava com muita fé a oração. “O anjo do Senhor anunciou a Maria. E ela concebeu do Espírito Santo.

Ave Maria…”. Minha mãe, acendia velas para as almas no fundo da casa. Mais dada a rezar do que meu pai. Embora, ele foi muito cristão sem o saber. Quando não ouvia a oração do Padre Pimenta. Ouvia o Adair Mendes, na Rádio Capital. Com a sua belíssima interpretação da Oração poderosa de São Jorge para quebrar demandas e vencer na vida. “Eu andarei vestido e armado com as armas de Jorge para que meus inimigos…”. Imortalizada na voz, de artistas, como Caetano Veloso. Fernandinha Abreu. Gigantes da nossa MPB.

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Hoje sinto saudades desses refúgios. Renovo o desejo de ter minha fortaleza no santo guerreiro de São Jorge. E em prece, acompanho e peço o olhar e a misericórdia da Ave-Maria. A hora do Angelus para sempre estará no meu espírito. Na minha alma. Com a fé inabalável, apesar de tantos sacolejos, vou em frente, cumprindo a vida que devo a meus pais. E a possuo no dia-a-dia com as pessoas que relaciono.

Pelas amizades e pelo trabalho. Essas linhas estão dedicadas à memória do amigo da cidade e o senhor da alegria. General da banda. Zé Kodak. Muito obrigado!

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