No mundo pré-pandemia, aqui na cidade, quando o Calçadão não tinha barreiras, ocasionalmente, um ou outro amigo ou colega, me abordava e me perguntava, assim, fingindo interesse e preocupação com o meu futuro profissional: você ainda trabalha com idoso? Esse “ainda” me incomodava internamente e fazia toda a diferença no ensaio mental para a minha resposta. A pergunta, além de me provocar desconforto, me chegava em tom de reprovação. É como se ele quisesse me dizer e não dizia: larga mão disso, cria juízo, isso não te leva a lugar nenhum, não vai te dar dinheiro. É como se, ao me perguntar, ele quisesse de mim, uma resposta que o agradasse. Que eu dissesse, não. E eu dizia. Sim!
As escolhas profissionais, quando são escolhas, mesmo, estão muito direcionadas para o ganho financeiro, principalmente nos dias de hoje. Na minha juventude, brigávamos, no bom sentido, por ideias, sonhos e ideais para uma sociedade fraterna e justa. Hoje, briga-se por grana. Dinheiro. Que profissão vai me proporcionar mais dinheiro? O mundo mudou. O mercado financeiro hoje é soberano. Eu passei por uma prova de fogo em casa, na presença dos meus pais, ao escolher fazer o curso de Serviço Social da UFJF, início dos anos 80 do século passado.
E faria de novo! Porque nessa formação profissional tive a oportunidade de obter conhecimentos suficientes para me posicionar nesse mundo cada vez mais cheio de contradições e de complexidades sociais e humanas. Ser assistente social me põe de pé e de cabeça erguida na sociedade e na vida. Também no desejo e na luta cotidiana de uma cidade melhor para todas as idades. Respondendo ao meu amigo, que me encontrou um dia no Calçadão: continuarei dando a minha contribuição profissional, dia pós dia, para que as pessoas idosas da cidade que eu amo, tenham um tratamento social e público de primeira qualidade. Eu, já envelhecido, com mais de trinta anos de trabalho social gerontológico, à beira da aposentadoria. E passando para o grupo etário dos 60 e mais. Agora, mais do que nunca, com mais presença e realidade, não deixarei de trabalhar em causa própria. Graças a Deus e a muitas pessoas que trabalharam comigo, essa trajetória profissional exitosa, conquistada no trabalho com uma considerável parcela da população idosa da cidade, pela Prefeitura de Juiz de Fora, tanto na área da assistência social como na saúde, me deu alguns calos nas mãos e deixou em mim marcas positivas na alma.
Fiz uma longa carreira na profissão que estudei. Coisa rara hoje em dia. Não mudei de lugar, muito menos de profissão, como insinuou o amigo do Calçadão. Ele deve ter feito outros cursos, tido outras experiências profissionais, ter trabalhado em várias empresas, talvez esteja desempregado, como muitos de seus conhecidos, e está morando com os pais, mesmo com 50 anos na cacunda. O mundo do trabalho encontra-se estraçalhado pela nova ordem mundial que destrói a organização política e sindical dos trabalhadores, com retirada de direitos sociais e a desenfreada produção de miseráveis e pobres ao longo da vida. O que representa uma grande ameaça para a vida das pessoas idosas. Ainda mais nesse quadro de pandemia da Covid-19, onde elas são as mais vulneráveis.
E infelizmente os números demonstram que as principais mortes acometem os idosos. No nosso país, até quinze dias atrás, informações oficiais davam conta de que 71% das mortes ocorridas aconteceram com pessoas com a idade de 60 anos e mais. Envelhecer está tornando-se cada vez mais, uma missão de vida muito difícil. A discriminação por idade representa um entrave a ser batido para a re/inserção social dos mais velhos ao mercado de trabalho. Na sequência da reflexão sobre a pergunta do amigo, você ainda continua trabalhando com idoso? Compartilho com vocês, caros leitores e leitoras, que vou permanecer nesse bom combate. Sensibilizar a cidade para a atenção e o envolvimento cada vez mais necessário com a sua população idosa. Não me cansarei, utilizando a expressão do grande jornalista, falecido recentemente, Clóvis Rossi, numa de suas entrevistas. Vou continuar jogando “garrafas ao mar”. Mesmo não tendo mar, por aqui. Quem sabe um dia, nessa maré de vai e volta, a cidade não cumpre o seu ideal?