Antes de sua morte precoce, a atriz e escritora Fernanda Young nos deixou um alerta. Na última coluna que escreveu para o jornal o Globo, ela abordou a cafonice que assola o Brasil de cabo a rabo. Mas não se referia à moda ou a gosto musical, situações em que ser cafona é inofensivo e até divertido. Fernanda falou de uma cafonice feroz, prejudicial, nociva. Calcada na ignorância, no atraso das ideias e no uso da mentira como estratégia.
Perspicaz, Fernanda nos chamou a atenção para a tosquice que está se entranhando no nosso dia a dia e pode ser encontrada a cada esquina. Estimulados por instâncias superiores, hordas, aqui eu iria dizer de trogloditas, mas o dicionário explica, em primeiro lugar, que os trogloditas eram povos que habitavam as cavernas. Assim, seria um insulto para eles serem confundidos com as hordas que hoje se consideram acima do bem e do mal e no direito de regurgitar grosserias e de atiçar descomposturas.
Os toscos da atualidade vivem uma vida de gado, são ruidosos e mal amados e acham que ofender, burlar, atacar e ameaçar faz parte do jogo. Esqueceram-se que gentileza, generosidade e educação nos humaniza, possibilitando nossa vivência em sociedade. Eles são aqueles que furam as filas de bancos e de supermercados, se comportam mal no trânsito, não cedem o lugar no transporte público para pessoa mais velha, riem de piadas preconceituosas e promovem xingamentos em forma de comentários na internet. Não gostam de arte, atravessam a rua para evitar as entradas de museus, falam mal de teatro, odeiam o cinema brasileiro e dos livros querem distância, pois conseguem ler apenas o que cabe nos memes que circula no WhatsApp.
Estão por cima da carne seca, como se diz por aí. Dormem o sono dos justos e não sentem remorso. Pelo contrário, acreditam, piamente, que agem de forma correta e até cristã, como também gostam de se gabar. Adoram citar o primeiro testamento da Bíblia, enquanto fingem esquecer o maior mandamento de Cristo: “amai ao próximo como a ti mesmo”. Na verdade, amor para eles é coisa de gente fraca, de defensores de direitos humanos. Como bem lembrou Fernanda, usar a mentira como arma tem sido a ardileza mais vil desses biltres. Para eles, velhacos até o último fio de cabelo, os fatos perderam a sua importância. Ao disseminarem falsidades, manipulam, engendram, subvertem, alimentando os ruminantes e se mantendo no poder.
É preciso que a verdade, com lastro na realidade, volte a reinar. Já não é mais possível acreditar que o planeta Terra seja plano, que as vacinas fazem mal e que o aquecimento global é um grande engodo fabricado por um sistema que quer controlar o mundo. Afinal de contas, estamos no Século XXI, e o homem até já pisou na lua no século passado. Também é necessário mais empatia, porque não vamos aceitar essa cafonice tóxica. Fernanda Young terminou seu texto derradeiro afirmando que só o bom gosto pode salvar esse país. E ela estava completamente certa! Porque não existe nada mais cafona do que falta de vergonha na cara, de dignidade, de compaixão, de amor mesmo!