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Charlatanismo e pandemia da mentira

Foto: Freepik

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Meu pai e minha mãe, num dia destes, receberam, numa destas correntes de WhatsApp, um vídeo que já trazia aquele alerta de “encaminhada com frequência”, no qual um homem que se identificava como médico relatava, com arroubos e grandiloquência, que uma pessoa, no Brasil, havia morrido depois de ter recebido a primeira dose da vacina contra a Covid-19. No tal vídeo, o suposto profissional de saúde, além do terrorismo mentiroso sobre o óbito causado pelo imunizante, listava uma série de outros males advindos da Coronavac. Depois de assistir àquilo, pensei que qualquer cidadão com menos informações, com certeza, desistiria de se vacinar.

Meu pai, que tem 71 anos, ficou muito impressionado com as falsidades propaladas pelo médico charlatão. Chegou, inclusive, a pensar que seria melhor não se vacinar quando o imunizante estiver disponível para ele. Houve, então, da minha parte, uma longa conversa, com o objetivo de esclarecer que aquilo que ele via no vídeo não se tratava da verdade, uma vez que seria pouco provável checar se aquele homem sem identificação que aparecia na mensagem era, de fato, um médico. Expliquei ainda que, se realmente alguém tivesse morrido após a vacinação, todos os veículos de imprensa profissional no Brasil e no mundo estariam estampando tal notícia como suas manchetes.

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A história que acabei de contar e que vivi no âmbito pessoal é mais uma entre tantas de pessoas que estão se prejudicando em razão da pandemia de fake news. Enquanto jornalista, ao longo dos últimos anos, tive que realizar diversas reportagens para desmentir boatos que se espalharam pelas redes sociais, colocando em risco a integridade física e moral de cidadãos.

Esta semana, encolerizado com o comentário de um internauta que afirmou que duas pessoas morreram depois de receber a primeira dose da Coronavac, o médico virologista e professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Funfarme), Maurício Lacerda Nogueira, ganhou repercussão nas redes sociais ao rebater a falsa notícia com um palavrão daqueles, que prefiro não repetir aqui!

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Sem papas na língua, ou melhor, nos dedos, Maurício, que foi responsável por coordenar a terceira fase dos testes clínicos da vacina em São José do Rio Preto, desmentiu o internauta. A forma direta e nada convencional com a qual ele respondeu ao incauto interlocutor viralizou, rendendo memes e repercussão nacional.

Em entrevista à imprensa, Maurício relatou que estava almoçando com o objetivo de esfriar a cabeça entre uma reunião e outra quando entrou nas redes sociais e viu o comentário do internauta em uma reportagem sobre o início da aplicação da Coronavac. “Perdi a paciência. Chega uma hora que você cansa de discutir. De forma nenhuma achava que isso repercutiria. Pensei que o assunto estivesse encerrado, mas não controlamos as redes sociais. As coisas saem do seu domínio”, desabafou o médico.

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Aqui, cabe fazer um adendo: a Coronavac foi a primeira vacina aplicada no Brasil. O imunizante foi desenvolvido pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. A vacina obteve, por unanimidade, autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso emergencial no dia 17 de janeiro.

Pelo seu destempero, o virologista ainda se justificou afirmando que o comentário feito por ele refletia anos de frustração do que vem acontecendo no Brasil com relação ao descrédito ao método científico e à ciência como mola propulsora da sociedade. Maurício citou Umberto Eco que, antes de sua morte, escreveu que a internet deu voz aos idiotas. Infelizmente, tenho que concordar com o médico e com o filósofo: as pessoas têm utilizado a internet com uma voracidade impressionante, sem se preocupar com o bem da coletividade!

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