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A moral de dupla face

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Há alguns dias, ouvi a  história de um colega que contava que, ao receber o troco da compra que fez na padaria, percebeu que a moça do caixa havia lhe devolvido R$ 10 a mais. Imediatamente, todos que ouviam a história junto comigo questionaram se ele havia mostrado o erro para a funcionária, devolvendo-lhe a quantia extra. Sem o menor constrangimento, o narrador afirmou que não, nem se culpava por isso, já que se sentia roubado pelo dono do estabelecimento, que mantinha os preços bem salgados. Algumas pessoas que faziam parte da conversa estamparam um sorriso amarelo, enquanto outras concordaram com a atitude, ratificando que fariam o mesmo, uma vez que o valor era pequeno e não deixaria ninguém mais pobre ou mais rico.

Logo na minha mente veio a ideia de como somos tolerantes com as pequenas corrupções do dia a dia e de como a nossa moral tem dupla face. No geral, nossa sociedade condena a corrupção, o roubo e a mentira. Todavia, tais condutas estão entranhadas no nosso cotidiano, sendo encaradas como o famoso jeitinho brasileiro, um comportamento que está arraigado na nossa cultura. É verdade que a nós, meros mortais, não é possível roubar milhões como vemos no noticiário político. Contudo, nossa ética é bem flexível.

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Assim, não devolver o troco errado, furar a fila, ocupar a vaga de idoso no estacionamento, ultrapassar sinal vermelho, jogar lixo na rua e fazer “gato” de sinal de antena de TV a cabo compõem a nossa lista de pequenos delitos aceitáveis. Quando desaprovamos os malfeitos dos políticos, nossa memória falha ao lembrar que o governo é reflexo dos eleitores, que escolhem candidatos oriundos dessa nossa sociedade que não vê problemas em se levar vantagem em tudo.

Infelizmente, somos maleáveis no que diz respeito às regras e deixamos a ética miudinha nas relações domésticas e familiares, transferindo essa mesma conduta para o que é público. A duplicidade de nossa moral fica evidente quando nos posicionamos de forma politicamente correta fora de casa. Mas, no seio familiar, deixamos visível nossa face preconceituosa e corruptível. Que acha normal propina para amaciar uma multa e admite que “bandido bom é bandido morto”, desde que o bandido não faça parte do meu círculo de bandidos de estimação. Desse jeito, vamos vivendo nossa moralidade seletiva, que desiguala o que deveria ser tratado com igualdade.

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Neste sentido, a lei é  desmoralizada, e seus cumpridores são vistos como tolos e não espertos. Assim também funciona na política, que é reflexo de nós mesmos. Não dizem que cada povo tem o governo que merece? Isso é duro de aceitar, mas é verdade. Também é difícil olharmos no espelho e nos reconhecermos imperfeitos. Porém, por mais que seja doloroso lidar com nossas falhas, é importante saber que elas existem e podem ser corrigidas. É um trabalho árduo, que pode ser feito, cotidianamente, insistindo nessa mudança em prol de um mundo melhor. Erro maior seria ter a consciência de nossas faltas, mas, mesmo assim, insistir em mantê-las!

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