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“Brinque, meu povo, povo querido!”

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Nunca fui carnavalesco, ou melhor, nunca fui daqueles de sair para pular o carnaval nas ruas, mas posso dizer que sou carnavalesco na medida em tenho uma profunda admiração pelas manifestações culturais que se afloram para que a folia se realize. Vejo com muito encanto também a alegria que essa grande festa popular provoca nas pessoas. Em tempos de carência de pão, o circo pode, de alguma forma, salvar algumas almas mais perdidas e entristecidas, além de trazer mais brilho para aqueles que insistem em manter suas consciências apegadas na ignorância.

Estou dizendo isso, porque está claro, que o carnaval de 2020, marcado pela irreverência que brotou nas ruas de todo o Brasil, não se fez somente pelo divertimento, mas também pela conscientização das mazelas pelas quais o país tem passado nos últimos tempos. Há quem fez de sua brincadeira um alerta, uma denúncia. Esse espírito também esteve presente nas escolas de samba. Em São Paulo, a Águia de Ouro sagrou-se campeã, levando para o Anhembi, um chamado para que as pessoas saibam sobre a importância da sabedoria, por meio de uma exaltação ao educador Paulo Freire.

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Com o enredo “O Poder do Saber – Se saber é poder, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, a agremiação mostrou que o educador pernambucano colocava o amor na base da educação, usando a realidade dos estudantes para ensiná-los. Ao enaltecer Paulo Freire, a escola nos faz lembrar da importância internacional dele como um dos principais educadores do mundo, mas, ao mesmo tempo, tão desrespeitado por uma parcela de brasileiros que se recusa a aceitá-lo e tal como papagaios repetem seus mantras envenenados.

No Rio de Janeiro, a Mangueira também levou a para Sapucaí seu recado de descontentamento, enchendo a avenida de críticas sociais e políticas. Houve quem gritasse contra, afirmando que carnaval não se mistura com política, mas, como não, se carnaval é subversão. É engano pensar que política só se relaciona com instituições e partidos. Política são também ações e decisões que tomamos no nosso dia a dia, na maneira como nos relacionamos com os poderes, com o espaço onde vivemos e com a sociedade na qual estamos inseridos.

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E o carnaval reflete tudo isso, utilizando-se de adereços e alegorias. Foi justamente o que fez a Mangueira ao levar para seu desfile um Jesus que muitos considerou como o Jesus da gente, com o rosto do negro, da mulher, do índio, do gay, do pobre e da diversidade presente na população brasileira, mostrando a necessidade de igualdade e de respeito ao outro.

Para terminar esse texto pós-carnaval, vou recorrer ao admirável Dom Helder Câmara, que nos deixou em 1999. Certa vez, ele proclamou: “Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida. Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval. Estive recordando sambas e frevos, do disco do Baile da Saudade: ô jardineira por que estas tão triste? Mas o que foi que aconteceu… Tu és muito mais bonita que a camélia que morreu. Brinque, meu povo, povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que quarta-feira a luta recomeça. Mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!”

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