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É preciso se solidarizar com a aflição do outro

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Na sexta-feira passada, dia 20, levava minha filha para escola, quando uma cena na rua despertou minha indignação. A minha e de várias outras pessoas. Era mais de meio-dia, sol escaldante, e uma senhora aflita, com um bebê nos braços, corria na tentativa de pegar um ônibus. Porém, o coletivo arrancou do ponto e muita gente começou a gritar, a fim de chamar a atenção do motorista. Mas as súplicas foram ignoradas. Dois homens, para ajudar, passaram a bater com as mãos, com a violência fruto da indignação, na lataria do ônibus. Mesmo assim, o motorista não esperou. A mulher, ofegante de tanto correr, e seu neném, possivelmente tonto de balançar, foram largados para trás e amparados pelas pessoas na calçada.

Não tive a oportunidade de saber o porquê aquela senhora precisava embarcar naquele ônibus. Tampouco soube dos motivos que obrigaram o motorista a não esperá-la. Talvez ele tenha até se assustado com as batidas na lateral do veículo. O certo é que, em questão de minutos, aquele homem atrás do volante poderia ter ajudado aquela mulher com o filho no colo. Situações como essas, certamente, acontecem a toda hora. Todavia, é algo que nos faz pensar sobre a nossa falta de sensibilidade e de solidariedade para com as aflições do outro. O motorista menosprezou o esforço daquela mãe agoniada.

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Esse fato também me serve de mote para falar de uma aflição mais profunda e dolorida, que trouxe à tona mais uma vez minha indignação. A minha e a do Brasil! Insensíveis e sem solidariedade se comportaram os chefes dos poderes estadual e federal, que não se pronunciaram, de imediato, sobre a morte da menina Ágatha, de 8 anos, naquela mesma sexta-feira. A criança foi baleada, enquanto retornava para casa com a mãe, no Complexo do Alemão, no Rio. O tiro de fuzil que pôs fim à vida da garota, que queria ser bailarina, foi dado possivelmente pela Polícia Militar, durante o que seria uma operação contra o tráfico de drogas.

A indignação do avô dela ecoou pelas redes. Em sua fala de revolta e de impotência diante da violência, ele advertiu: “Sabe qual era a arma que tinha dentro da mochila da minha neta? Lápis, caderno, apontador, livro. Tinha um simulado que ela fez nessa semana e tirou 7! Essas eram as armas que a Ágatha gostava de usar.” Essas também são as armas com as quais eu aprendi a lutar. Da mesma forma são as armas que a minha filha, de 8 anos, está aprendendo a lutar.

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Mas o que a história da menina carioca tem a ver com o episódio que contei no início deste texto? Aparentemente nada. A não ser que, nos três casos, eram pais com seus filhos, na rua, tentando cumprir com seus compromissos. A mãe de Ágatha queria chegar em casa de maneira segura. Eu queria deixar a minha filha na escola e aquela mulher com o filho no braço precisava pegar aquele ônibus, talvez para levá-lo ao médico ou deixá-lo na creche? Quem sabe? O fato é que, provavelmente, ela irá perder outros ônibus e vai se indignar de novo. Eu, hoje, tenho a certeza de que amanhã vou levar minha filha para a escola. Já a mãe de Ágatha não terá essa chance de novo.

A vida dela e de outras cinco famílias que também perderam suas crianças para a violência letal, no Rio, este ano, foram mudadas para sempre em função de uma política que, há anos, não se preocupa com quem é pobre e mora na periferia. Agora, belicista, essa mesma política atira contra moradores sob a justificativa de caçar bandidos, considerando que tal estratégia seja um mal necessário, principalmente, porque, como dizem os próprios residentes dessas comunidades: “a vida na favela não importa”.

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A solidariedade para com as aflições do outro, que chamei a atenção no começo do texto, falta nas atitudes do cotidiano e nos causa indignação e se agrava quando não está presente em políticas públicas que deveriam zelar pelo bem-estar e segurança das pessoas, principalmente de crianças. Ao leitor que considerar confusa esta coluna, digo que, para um pai, manter o juízo diante de tanta barbárie é muito difícil.

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