Nas últimas semanas, a maioria das imagens e notícias que nos chegam pela TV e pelos sites revelam uma sociedade de corações mecânicos, desprovidos de sentimentos, de solidariedade e de humanidade. O que mais tem se visto por aí são hostes de raivosos, incapazes de compreender a dor do próximo. Olhando o Brasil através de uma tela, que é a forma como temos acompanhado a realidade, vemos um mundo sem fraternidade, sem irmandade, cheio de mentirosos que não se constrangem das falsidades que ecoam.
Olhando para tudo isso, a sensação que temos é de que chegamos, de fato, na era da arrogância, da soberba, da mesquinhez e da corrupção. Como disse aqui, na coluna passada, vivemos o “salve-se quem puder”. Olhamos ao redor e só percebemos frieza nas relações. Mas eis que surge uma imagem no meio desse turbilhão e desfaz essa miopia que vem cegando cada um de nós, tirando nossa capacidade de enxergar que ainda existem formas de resistir.
Refiro-me a uma fotografia na qual aparece uma luva médica cheia de água quente que tenta reproduzir o calor humano, gerado pelo toque de uma mão que segura outra mão. Essa foto circulou pelas redes sociais, depois de aparecer no perfil do Facebook “Vivências de Enfermagem”. Como os pacientes infectados pelo coronavírus não podem ter visitas e ficam isolados, um profissional de saúde teve essa brilhante ideia para melhorar as condições de seu paciente. “Fiz essa luva com água quente para melhorar a perfusão da minha paciente e ver melhor a saturação, e espero que ela sinta que tem alguém com ela segurando sua mão”, diz na postagem da foto.
Essa talvez seja uma das mais importantes imagens das últimas semanas, porque mostra que nem tudo está perdido. Se existe uma política de morte em andamento, se proliferam manifestações com buzinaço em portas de hospitais onde pacientes em estado grave lutam por suas vidas – manifestações essas chamadas de “carreatas da morte”-, há aqueles que não se deram por vencidos e carregam com dignidade a bandeira do amor e da empatia.
Sei que, às vezes, tudo parece que foi tomado pela turba, pelos bárbaros de corações ásperos, mas existem muitas pessoas boas por aí, que fazem o que podem para não sucumbir e manter acesa a chama de calor que nos faz humanos. Talvez essa miopia que citei anteriormente, por ora, nos atrapalhe a enxergá-las com mais nitidez, mas elas existem e estão fazendo o seu trabalho, resistindo, e espero que elas sejam a maioria, mesmo pensando, em alguns momentos, que estamos sozinhos.
Com quase 300 mil vidas perdidas em razão da pandemia no momento em que esse texto foi escrito, o Brasil chora por muitos motivos: há aqueles que se foram para sempre, há famílias destroçadas, há uma economia à espera de políticas públicas de recuperação, há aqueles que sentem fome. E é justamente por todas essas razões que não se pode faltar calor humano. Queremos um país de gente de carne e osso e sangue nas veias capaz de oferecer humanidade nem que seja por meio de uma luva cheia de água quente.