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Salvem as bibliotecas

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Juro que já tentei inúmeras vezes, mas não consigo. É muito difícil me acostumar a ler um livro na tela de um computador. Sei de toda a praticidade que um Kindle pode apresentar, mas ainda não funciona para mim. Tenho um grande apego pelo livro físico. Quando olho para a minha pequena coleção na estante que ocupa minha sala, é possível encontrar até dois exemplares de um mesmo título. É o resultado de ganhar de presente alguma obra que já fazia parte do acervo. Também tenho certa resistência em me desfazer dessas cópias. Quem sabe um dia consiga doá-las para alguma biblioteca!

Por falar em biblioteca, não posso deixar de contar que meu gosto pela leitura surgiu exatamente em função da existência delas. Para mim, elas sempre foram locais de deslumbramento. A primeira que conheci foi a da Escola Municipal Antônio Carlos Fagundes. Era uma sala organizadíssima, com estantes ao redor das paredes e mesinhas com quatro cadeiras espalhadas pelo centro. O lugar tinha o piso que mais brilhava em toda a escola. A bibliotecária era a Dona Claudete, que tinha muito esmero por tudo que ali dentro se encontrava e me ensinou a dar valor ao livro. Depois foram a biblioteca do castelinho da Escola Normal (Instituto Estadual de Educação) e a Biblioteca Municipal Murilo Mendes – que ficava no meio do caminho entre o meu ponto de ônibus e o colégio – as responsáveis pela minha formação literária na adolescência, quando cursava o Ensino Médio.

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Foram nelas, ora de uma, ora de outra, que conheci as obras de Machado de Assis e de outros clássicos da nossa literatura. Só o “Dom Casmurro” eu li três vezes. Em cada leitura, chegava a um ponto de vista diferente sobre as desventuras de amor entre Capitu e Bentinho. Eram livros antigos, às vezes muito usados e alguns com rabiscos e anotações. Ficava feliz em encontrar esses comentários nos cantos das páginas, pois era como compartilhar minha leitura com a de outras pessoas. Leitores, inclusive, de outras gerações que passaram por essas bibliotecas. Tudo isso só fazia aumentar meu encantamento por esses lugares guardadores de livros.

Sei que, para alguns, nada disso faz sentido, o que é uma pena. E é mais lástima ainda pensar que as bibliotecas estão correndo perigo de existência, o que pode impedir que mais pessoas tenham acesso aos livros. Em nosso país, onde crescem os números de criação de clubes de tiro, bibliotecas em funcionamento estão morrendo. Dados que constam do levantamento do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) mostram que quase 800 bibliotecas públicas foram fechadas entre 2015 e 2020. Conforme notícia da BBC Brasil, há sete anos, a base de dados contava com 6.057 unidades no país, número que caiu para 5.293 em 2020.

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Segundo os especialistas dessa área, a queda no número de bibliotecas evidencia o descaso do poder público com a população mais vulnerável, sem acesso a livrarias, e a falta de investimento na educação. Eles ainda alertam que o número de bibliotecas fechadas pode ser ainda maior, devido à atual fragilidade do SNBP após a extinção do Ministério da Cultura e à falta de controle efetivo pelos sistemas estaduais, cujos dados alimentam o sistema nacional.

Enquanto morrem as bibliotecas, reportagem do UOL, com dados colhidos junto ao Exército, mostra que a nação tem, atualmente, 2.061 clubes de tiros, dos quais 1.006 surgiram entre 2019 e maio de 2022. Sei que o livro é um objeto importante para a formação e o desenvolvimento de repertórios culturais, para incentivar o pensamento crítico e a criatividade. Porém, no contexto tenebroso em que o Brasil vive, talvez nada disso tenha valor.

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No meu caso, que aprendi a admirar as bibliotecas ainda criança, a literatura me deu a chance de conhecer outras visões de mundo. Conhecer mais um pouco da dor e da alegria do outro. A biblioteca não é só a morada de livros, ela pode ser muito além para quem tem sede de aprender. Em meio a tantas mazelas vivenciadas pelo Brasil, diariamente, hoje escolhi falar das bibliotecas, porque acredito que nelas está o cerne da transformação que tanto se almeja.

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