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Quando a dor alheia é intolerável

Memorial foi colocado no Centro de JF na manhã deste sábado

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Que algo deu muito errado no Brasil, nós já sabemos. Mas achávamos que algum dia toda essa polarização que nos dividiu iria passar. Pelo contrário, ela só se agudiza e, cada vez mais, exibe a face sombria que outrora julgávamos não ter. Pensei nisso quando, no último sábado, o país alcançou a marca de meio milhão de vidas perdidas pela Covid-19. Estatística essa que nos horroriza e que, até então, somente os Estados Unidos havia superado. Apesar de tamanha tristeza, não podemos considerar que o país vive um luto de âmbito nacional. Uma parcela de mulheres e homens brasileiros, que é não é a maioria, mas muito barulhenta e, às vezes, até truculenta, não aceita essa comoção e parte para o ataque.

Aqui em Juiz de Fora, um ato-memorial para as vítimas do coronavírus foi realizado na passagem de nível que liga a Avenida Francisco Bernardino e a Avenida Brasil, na Praça da Estação, no Centro. Fitas vermelhas foram amarradas na grade de proteção do local. De acordo com os responsáveis pela iniciativa, cada fita continha um nome e simbolizava as vítimas da Covid-19 no Brasil. A intenção era despertar nos pedestres que passavam por ali a ideia de que atrás desse grande número havia pessoas que eram amores nas vidas de outras milhares de pessoas e que partiram, muitas vezes precocemente, em razão de uma doença para qual já existe vacina.

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Todavia, estarrecido fiquei depois de saber, por meio de uma das lideranças desse movimento, que esse ato-memorial vem sendo incompreendido e sofrendo ações de vandalismo por aqueles que tentam naturalizar esse número tão alto de óbitos e que referendam essa política, que ora somos obrigados a vivenciar, que não tem apreço pela vida. E o principal argumento deles é de que no Brasil há outras mazelas e doenças que também promovem a morte. Mas jamais citam em seus argumentos que a Covid mata em média duas mil pessoas por dia, fazendo essa trágica estatística não parar de crescer, e que, se lá nos Estados Unidos, quase metade da população já foi vacinada, aqui, menos de 12% dos brasileiros já tomaram a segunda dose.

Existe uma comoção às avessas, que nega o direito do outro a sentir a morte de um ente querido e o luto coletivo. São ataques que chegam às vias de fato e outros que aumentam a gritaria nas redes sociais. Gente expelindo falta de empatia em comentários agressivos, pensando, às vezes, que, enquanto a morte não chegar para alguém de sua família ou para um amigo próximo, pode continuar a desdenhar a dor dos outros. Inclusive, cheguei a ver figuras públicas, seguidas por milhões de pessoas no Instagram, notificando a perda de milhares de seguidores depois que manifestaram seu pesar pelas 500 mil vidas perdidas. Mais uma prova de que a dor alheia é intolerável para esses grupos que, da mesma forma que ignoram as mortes, negam o uso de máscara e da vacina.

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Enquanto a Terra gira, algo que para alguns também pode soar como ofensa, já que acreditam no terraplanismo, o tempo escoa por entre nossos dedos das mãos. O mês de julho se aproxima, anunciando o início do último semestre de 2021, e vamos seguindo sem que haja prenúncio de que estejamos perto do fim das agruras que nos são empurradas goela abaixo, diariamente, por esse estado de coisas-pavorosas que ora vigora no Brasil. Não existem dois lados quando um deles é a barbárie.

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