Querem nos enlouquecer, roubando-nos os sentidos das palavras! Ultimamente, tenho pensado muito no ofício da escrita e no poder da palavra. Já repararam que existe uma tentativa inescrupulosa de subtrair da palavra o seu significado? Explico: vivemos num tempo em que as pessoas estão perdendo a clareza do sentido das coisas. Palavras até então com sentidos consolidados estão sendo bombardeadas, pois querem que sejam engolidas goela abaixo com significados outros, diferentes daqueles que aprendemos ao longo da vida, na escola, na história, nos livros, no teatro, na música e no cinema.
Todas as nossas certezas têm sido confrontadas com algo que falta lastro na realidade. Até a esfericidade da Terra passou a ser questionada. O aquecimento global – tema fundamental na atualidade uma vez que o aumento nas temperaturas médias do planeta resultaria em graves e irreversíveis problemas ambientais – tem sido tratado como falácia. E não estou defendendo aqui uma verdade absoluta. Não é isso que pretendo discutir.
A questão que quero colocar em pauta é sobre como, de modo perverso, há um esquema poderoso trabalhando para corromper a palavra e nossa noção da verdade. Essa maquinação é extremamente perigosa, pois põe em risco tudo o que já foi conquistado pela sociedade e tudo aquilo que ainda é necessário alcançar.
Para se ter a ideia dos prejuízos do despojamento dos significados, basta voltar a atenção para os efeitos desastrosos das “fake news” nos últimos meses em diversos campos da vida nacional e no cotidiano das pessoas. Em Juiz de Fora, por exemplo, recentemente, a Arquidiocese precisou vir a público e desmentir boatos sobre a morte do padre Pierre Maurício, idealizador da Missa do Impossível, que concentra muitos católicos, na Paróquia São José, no Bairro Costa Carvalho. As mensagens sobre o suposto óbito do religioso, que relacionavam o fato à picada de uma cobra, começaram a circular nas redes sociais, levando preocupações aos fiéis que participam das celebrações.
As “fake news”, expressão estrangeira que no bom português quer dizer notícia falsa, está na cabeça do brasileiro, que ainda precisa saber como confrontá-las. Dessa forma, é importante ter em mente que elas, geralmente, servem para manipular multidões, usando linguagem fácil destinada a um público que já tenha opinião desfavorável em relação a uma situação ou a um personagem envolvido numa trama mentirosa. A consequência é a criação de um solo fértil para que o ódio floresça!
Tudo isso é potencializado pelas tecnologias e pela fragmentação das fontes de notícias, que são capazes de espalhar inverdades numa velocidade alarmante. A gente já sabe que uma mentira repetida mil vezes pode virar verdade, principalmente, se não houver questionamentos. E aqui vale um alerta: divulgar falsidades é completamente antidemocrático, porque o cidadão não pode ser destituído do acesso à informação, que lhe é garantia prevista em lei.
Essa quebra de significados interrompe o diálogo, que se perde diante de tanto desentendimento. É quando alguém fala A e o outro entende B, encerrando qualquer tido de acordo. Mas a esperança não pode morrer jamais, e combater as notícias falsas também é uma forma de devolver às palavras os seus sentidos. As palavras nos ajudam a tecer significados para a nossa própria existência. Faço minhas as palavras da jornalista Eliane Brum: “Precisamos voltar a encarnar as palavras. Ou enlouqueceremos todos.”