Cem mil mortos. Cem mil histórias de vidas interrompidas. Cem mil famílias inconsoláveis. Um país em luto! Apesar disso, há aqueles que se levantam para dizer que não é hora de buscarmos culpados. O brasileiro de bem, moderado e pacífico não busca responsabilidades. Na visão dele, este é um momento caótico em que o Brasil e o resto do mundo atravessam sem que haja uma culpa. A hora é de união, de lamber feridas e esperar, porque tudo deve passar. De nós, espera-se a compreensão!
Todavia, de tanta compreensão, para não dizer conformidade, a nação se aprofunda ainda mais no abismo das injustiças sociais. Nossa sociedade não se responsabiliza pelas mazelas contra o povo negro, que foi escravizado e até hoje sente, na pele, as dores dos açoitamentos. Uma aquarela, do pintor francês Jean Baptiste Debret, que mostra um escravo sendo chicoteado em praça pública, veio à minha mente no instante dessa escrita e, com certeza, ela também está na cabeça das pessoas que enxergam a chaga que a escravidão deixou aberta.
Somos resultado de um povo que também ignora o genocídio dos povos indígenas e a existência daqueles que não medem esforços para avançar sobre suas terras. Da mesma forma, finge que não houve ditadura e esquece que torturadores não pagaram na justiça pela morte de brasileiros. Nossa democracia segue aleijada, incapaz de julgar os crimes cometidos por agentes do estado ao longo dos anos de chumbo.
Agora, mais uma vez, diante de uma tragédia que foi anunciada, vozes se arvoram. Pedem calma. Clamam para que não sejam apontados culpados. Como assim? Até que ponto vamos conseguir esticar nossa tolerância? Que outra calamidade maior e mais desoladora do que a morte de cem mil pessoas vai precisar acontecer para que sejamos capazes de abrir nossos olhos?
Na minha opinião, já temos motivos demais para chorar. Razões o suficiente para entender que os culpados estão por aí. Eles se mostram. E sem que a gente precise apontá-los, de quatro em quatro anos, se expõem para nos enredar e, de nós, levarem a confiança e a esperança de que este país em construção, ou desconstrução, servirá de mãe para filhos que aqui nascem. Mas não é só da classe política que esperamos mudança na conduta. É necessário que a elite não tenha asco dos mais humildes e veja neles a riqueza necessária rumo a uma nação de verdade e que o povo reconheça sua força.
Numa hora tão triste, é preciso agarrar-se à fé. Na fé que é sinônimo de acreditar nos muitos que ainda não perderam o senso de justiça e guardam a sensação de que essas cem mil vidas perdidas e outras tantas que ainda possam se perder não sejam em vão. Que a lembrança de cada uma delas, para aqueles que as conheceram, seja o desejo de mudança! E que esse desejo se prolifere no ar pelo Brasil!