A rua é onde o repórter encontra o material de seu ofício. É na rua onde a vida acontece e se transforma em história. Foi caminhando pela Rua Santo Antônio, na região central de Juiz de Fora, que me deparei com uma cena que me fez pensar em resiliência, amor, esperança e no tema para esta coluna. Em frente à porta de uma lanchonete, no cruzamento com a Rua São Sebastião, uma jovem bonita, lá com seus 20 e poucos anos, estava sentada na calçada sem nenhum constrangimento, agindo, naturalmente, como se aquele pedaço da via pública fosse parte de sua casa.
Ao lado dela, também sentado na calçada, um homem, com aparência de ter mais de 60 anos. Suas vestes eram puídas, sua pele era vincada e seu semblante era de gratidão. Ele era morador de rua, enquanto a jovem era alguém que mantinha a fé na vida. Os dois estavam envoltos em um momento só deles, o que inibia a interferência de qualquer outra pessoa que caminhasse por ali, inclusive a minha. Quando passei rente a ambos, ouvi a moça perguntando ao senhor se aquele lanche que ele tinha nas mãos era a primeira refeição que fazia naquele dia. Assim, pude concluir que aquela jovem, impulsionada por um sentimento de empatia, tinha comprado o alimento para o morador de rua. Mas, além do lanche, ela tinha mais a oferecer. E foi isso o que ela fez, pois também ofertou para aquele andarilho a sua própria companhia, a sua palavra de generosidade e o seu gesto de compaixão.
Fiquei observando a cena de longe e percebi que a moça insistia em manter o diálogo, enquanto o homem comia, porque acredito que, na cabeça dela, aquele velho maltratado pelas agruras da rua, marcado pela vida sem teto, também precisava de atenção, necessitava de ser ouvido e carecia de ser enxergado. Na maior parte do tempo, essas pessoas em situação de rua não são vistas pelos pedestres, que muitas vezes as confundem com obstáculos a serem desviados, ou melhor, ignorados. É como se não existisse um ser humano por baixo daquelas roupas maltrapilhas e sujas e, sim, um problema social de responsabilidade apenas do Poder Público e que cresce, cada vez mais, pelas ruas do município, sem que haja uma solução a curto prazo.
Todavia, para aquela jovem, não. Na frente dela, havia outro igual, merecedor de respeito e de dignidade. Eu tive que ir embora e não pude mais observar a cena a fim de saber como terminou. Mas estou convencido de que, naquela situação, não foi apenas o senhor que ganhou o seu primeiro alimento do dia, pois a jovem também ganhou. Ao se desvencilhar de qualquer tipo de preconceito, a moça ganhou mais em humanidade, algo escasso nesta época identificada pela cultura da indiferença.
Essa história também me fez pensar nos versos do poema “Ofertas de Aninha (aos moços)”, de Cora Coralina. Nele, a poeta modernista, nascida em Goiás, em 1889, diz assim: “Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou/ Ensinou a amar a vida/ Não desistir da luta/ Recomeçar na derrota/ Renunciar a palavras e pensamentos negativos/ Acreditar nos valores humanos/ Ser otimista/ Creio numa força imanente que vai ligando a família humana numa corrente luminosa de fraternidade universal/ Creio na solidariedade humana/ Creio na superação dos erros e angústias do presente/ Acredito nos moços…/.
Com essas palavras da grande poeta que tinha seu olhar voltado para as miudezas da vida e com o exemplo da moça sentada na rua, termino esse texto, renovando minha esperança no devir!