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Brasil, Pinóquio e a pós-verdade

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Entre os significados que nosso Aurélio dá para a palavra mentira, consta que se trata de uma “afirmação que não condiz com a verdade nem com a realidade.” Mas há aqueles, que são muitos, ou melhor, milhares, que se esqueceram dessa definição. Para eles, esses limites estão borrados. Estamos sob a égide do “liberou geral”, e falar mentiras, mesmo com o todo o aparato midiático voltado para si, no caso das autoridades públicas, tornou-se algo banal.

Comecei a pensar sobre isso porque, nesta semana, ouvi uma professora dizer que precisou citar a frase de Nietzsche para falar sobre a pós-verdade a seus alunos. A afirmação em questão é a seguinte: “não existem fatos, apenas interpretações”. Como bem explicou a educadora, a fala do filósofo, que queria colocar a prevalência interpretativa no processo de estabelecimento de “verdades”, serve como advertência crítica de que a verdade não é absoluta, nem definitiva, muito menos imutável, mas carece, continuamente, de ser discutida, explicada e pormenorizada em detalhes.

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Todavia, como temos observado nos últimos tempos, essa dimensão filosófica acerca da palavra verdade tem sido usada de forma, por que não dizer, criminosa, para validar a mentira. Basta ligar a TV ou abrir os sites de notícias para termos a certeza de que existe em operação no país um grande esquema para a deslegitimação dos fatos. Personagens de alto escalão não trocam de roupa, nem de cara, para falar inverdades. E como “mentira tem perna curta”, eles, quando são pegos de “calça curta”, lançam mão do clássico aliado da limpeza doméstica, o famoso e antigo óleo de peroba, para dizer que houve mal-entendido.

Sim, estamos na era da pós-verdade, conceito que coloca em evidência a estratégia de desvalorização dos fatos em benefício de interesses próprios. Ultimamente, memes fazendo referência ao personagem Pinóquio ganharam o ambiente virtual, demonstrando a consternação dos internautas com a falsidade que se escancara, dia após dia, na CPI.

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Por falar em Pinóquio, vale lembrar que tal personagem da literatura infantil vai além da adaptação animada da Disney. A versão original da história é mais sombria do que a que conhecemos, e as mentiras do personagem nem ganham tanto enfoque, apesar de cumprirem seu papel na narrativa. Ao pesquisar, uma das explicações que encontrei é a de que, em italiano, pinocchio significa “pinhão”. Uma vez que o boneco tem o nome da semente de pinheiro, remete ao conceito de algo que ainda vai brotar e se desenvolver. Ou seja, Pinóquio ainda era um projeto de menino que precisava de amadurecimento para virar alguém de verdade.

E não é que essa narrativa também nos serve para explicar o nosso momento atual! Digo isso porque o Brasil ainda precisa se transformar em um país de verdade, assim como muitos de nossos mandatários que fingem não enxergar a realidade. Quando novamente me encontrar com a professora que me fez pensar sobre tudo isso, vou lembrá-la a história de Pinóquio, para que ela também possa usá-la para falar de pós-verdade com seus alunos.

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