Perto da minha casa, tem um terreno abandonado. A cada dia que passamos na frente dele, é possível perceber que o mato está mais alto. Sei que a vizinhança reclama, apesar de existir uma cerca fechando o local. Mesmo assim, a falta de cuidado atrai animais peçonhentos, que desconhecem o sentido do que é propriedade privada. A vegetação já cresceu tanto, que avança sobre a calçada e começa a obrigar pedestres a se desviarem do caminho pelo meio da rua.
Quando olho para esse terreno, lembro da minha infância. Naquela época, também havia terrenos baldios, mas não eram como os de agora. Tinha sempre um campinho ou uma pista de bicicleta em que se podia brincar. Eu mesmo aprendi a pedalar em um terreno que não era ocupado, que ficava quase ao lado da casa da minha avó materna. Foi nele também que aprendi a empinar pipa. Era na sua terra que muitas vezes fiz longas estradas, onde dirigia meu carrinho. O terreno vazio era tão importante para nossas vidas que, nós mesmos, moleques que éramos, nos dispúnhamos a capinar esse lugar. Era um tempo em que se valia de tudo em nome das brincadeiras.
Atualmente, não há mais crianças para ocupar os terrenos e roubar deles a alcunha de baldios. O que existe de lúdico e de possibilidades em um campinho de terra batida perdeu a graça diante da tela do celular ou de uma quadra de concreto do condomínio, onde as linhas já são pintadas e ditam como as brincadeiras devem ser. Também é verdade que hoje não vejo com os mesmos olhos de menino os terrenos desocupados. Naquela época, também existiam lugares com os mesmos transtornos atuais, como sujeira e proliferação de bichos. Mas, hoje, o sentido da palavra “abandonado” ganhou outras camadas de profundidade.
Esses lugares não estão só abandonados por seus proprietários e pelo Poder Público, que deveria fiscalizá-los, para que existisse uma manutenção permanente. Existe um abandono profundo não só dos terrenos, mas da nossa própria autoestima, dos projetos que vislumbrávamos para uma vida melhor e mais cidadã.
E aqui lembro do Brasil, abandonado por inteiro. Do povo abandonado, sem dinheiro, que briga no supermercado para comprar cebola na promoção e das crianças esquecidas vendendo balas nos sinais. Dos rios abandonados nas mãos de garimpeiros, que envenenam suas águas com mercúrio, intoxicando os peixes e os povos originários que deles se alimentam. Do abandono dos Yanomami, que estão desaparecidos após denunciarem o estupro e o assassinato de uma menina indígena por garimpeiros ilegais. Do abandono de pessoas escravizadas, em pleno século XXI, como a doméstica Madalena, que, há 50 anos, era roubada e vítima de maus-tratos por parte de seus patrões. Do abandono das políticas fundamentais para barrar o aquecimento global, que avança sobre a Terra e será capaz de furtar nossa única morada, que é o nosso planeta.
O terreno que cito no início deste texto é apenas uma metáfora do descaso do qual nenhum de nós escapará, se nada fizermos para mudar, antes de sermos abandonados todos!