Entre tantas monstruosidades que estamos sendo obrigados a assistir neste país obtuso, a mais recente são as imagens de um adolescente negro, de 17 anos, sendo chicoteado por seguranças após tentar furtar chocolates em um supermercado, em São Paulo. O vídeo mostra o jovem nu, com as mãos amarradas e a boca amordaçada, recebendo as chicotadas. O crime, tratado como tortura, já está sendo investigado pela Polícia Civil.
A sessão de tortura contra o adolescente teria durado cerca de 40 minutos e foi gravada, segundo informações iniciais, pelos próprios seguranças. As cenas, que nos fazem sentir vergonha da situação de barbárie que passamos a viver, com certeza, ao serem registradas, tinham como objetivo servir de mais uma forma de humilhação contra o rapaz. Todavia, se transformaram em documento – prova – do delito cometido pelos seguranças e marcam um tempo que nega o Estado de Direito e imprime a violência como lição. Infelizmente, os capitães do mato estão de volta! E voltaram sob aplauso de parte da população que não vê problemas no cometimento de abusos, principalmente, se for praticado contra pobre, negro e morador da periferia. Bandido tem que ser morto mesmo, não é assim o mantra entoado para justificar o injustificável?
Mas até que ponto essa gente irá passar o pano, fingindo normalidade? Até que a próxima vítima seja um ente familiar, talvez? Sim, porque numa situação de arbitrariedade vale a máxima: atira-se primeiro e pergunta-se depois! Alguns que irão ler esta coluna vão me chamar de hipócrita, porque vão pensar: sim, os seguranças são covardes, mas o adolescente é um marginal, estava roubando. E quem rouba um chocolate rouba outras coisas. É assim o ciclo da impunidade! Quem rouba hoje, amanhã pode estar disposto a matar.
Lamentavelmente, concordo que essa situação seja admissível. Todavia, não podemos prescindir da lei para tratar dessas questões. Precisamos ter garantias de que todo e qualquer ato bárbaro seja punido na forma da lei. Não há solução para qualquer problema do Brasil que venha por fora da lei e que não respeite o Estado de Direito!
Não podemos permitir que, de tempos em tempos, tenhamos que nos deparar com notícias e imagens que nos fazem rememorar um país, como da época da escravidão, que supúnhamos superado, mas que volta à tona cada vez mais com frequência. Ainda não esquecemos, nem podemos, das cenas do adolescente negro, pelado, espancado e esfaqueado na orelha, amarrado a um poste pelo pescoço com uma trava de bicicleta, por um suposto grupo de justiceiros, na Zona Sul do Rio, em 2014.
Juro que, nesta semana, tinha a intenção de que o tema abordado nesta coluna fosse algo mais ameno. Queria falar talvez que, finalmente, no último fim de semana, assisti ao filme “Nasce uma estrela” e, contrariamente ao que pensa muitos amigos, não encontrei nele tantos motivos para o tanto de repercussão positiva que lhe foi rendida. É um passatempo, como as obras exibidas na sessão da tarde. Nos divertem naquele momento e nada mais! Contudo, as cenas do Brasil de fato, dos adolescentes negros amarrados, torturados e mortos, essas sim são perturbadoras e não devem sair nunca das nossas lembranças, pois elas se impõem e merecem sempre ocupar os espaços das colunas, como forma de nos chamar para a realidade e nos alertar, para que nossa humanidade não seja perdida!