Eu não consigo respirar quando um pai se dirige a um governador e diz que a sua polícia não matou só um jovem de 14 anos com sonho, querendo ser alguém na vida, mas uma família completa. Matou um pai, uma mãe, uma irmã e, principalmente, o João Pedro.
Eu não consigo respirar quando me chega a informação de que um americano negro foi sufocado por um policial branco, que se ajoelhara sobre seu pescoço por mais de oito minutos.
Eu não consigo respirar quando penso que o assassinato de George Floyd provocou manifestações em mais de 75 cidades nos Estados Unidos, e aqui, onde meninos pretos são mortos, diariamente, nenhuma alma viva vai às ruas para se manifestar.
Eu não consigo respirar quando ligo a televisão e recebo a notícia de que o Brasil ultrapassou a marca de mais de 30 mil mortos por coronavírus.
Eu não consigo respirar quando abro o jornal e vejo que, em nosso país, em 24 horas, cerca de 1.200 cidadãos perderam sua vida por causa da Covid-19, num recorde atrás do outro.
Eu não consigo respirar quando estudos de grandes universidades brasileiras projetam que a nação deverá chegar a um milhão de casos do novo coronavírus neste mês, porque a ignorância coloca em xeque a importância do distanciamento social.
Eu não consigo respirar quando penso que, há quase 20 dias, em meio à crise sanitária mais letal que minha geração vivenciou, não há ministro da saúde, e outros dois passaram pela pasta, mas não conseguiram lidar com o espectro genocida que ora se assenta sobre o poder.
Eu não consigo respirar quando temos que ouvir “Vai morrer” se não houver a reabertura da economia, numa tentativa de ludibriar o povo, que deixa de acreditar que, primeiro, é preciso estar vivo para correr atrás do pão de cada dia.
Eu não consigo respirar quando vejo nos sites de notícia que propostas de preço e serviços incluídas no processo de construção de hospitais de campanha têm indícios de fraude, o que coloca sob suspeita a lisura da principal ação contra a pandemia.
Eu não consigo respirar quando penso que existe ser humano capaz de agir, apoiado na corrupção, para desviar recursos públicos, relegando pessoas à morte por falta de atendimento médico.
Eu não consigo respirar quando tomo consciência de que, em pleno século XXI, há gente que não acredita em ciência e passa adiante mensagem de que um vírus mortal possa ser combatido com chá de boldo.
Eu não consigo respirar quando paro para refletir que, na era da informação, o mundo tenha que enfrentar uma onda gigantesca de desinformação.
Eu não consigo respirar quando tem gente que usa de sua liberdade para pedir o fim da democracia.
Eu não consigo respirar quando um padrasto é suspeito de espancar uma criança de 3 anos até a morte, só porque ela ainda não aprendeu a usar o vaso sanitário.
Eu não consigo respirar quando tem gente que comemora a “Festa do Corona”, e seus convidados espancam uma mulher no meio da rua sem o menor pudor. Eu não consigo respirar com tanta falta de apreço pela vida. Eu não consigo respirar!