“Tem a sorte das feias”. É assim que algumas celebridades, entres atrizes, atores, diretores e apresentadores de TV no México, justificaram o sucesso alcançado pela protagonista do filme “Roma”, a atriz Yalitza Aparicio, indicada ao Oscar 2019. Tentei encontrar um tema mais recente para esta coluna, mas não consegui escapar deste. Embora passada, a polêmica diz muito sobre o nosso tempo. Morena, longe da estética das belas com longos cabelos platinados – das novelas que nos acostumamos a ver no SBT -, Aparicio tem orgulho das características que marcam sua identidade indígena Oaxaqueña. Apontada ao prêmio de melhor atriz por sua performance no longa-metragem de Alfonso Cuarón, ela não recebeu a estatueta, mas deixou seu nome marcado para sempre na história do cinema. Mesmo assim, a mexicana se viu imersa em críticas raivosas.
A repercussão positiva sobre o desempenho de Aparicio em um filme tão bem aclamado pela crítica cinematográfica, vencedor de três categorias no Oscar, parece ter despertado a inveja e a ira de parte dos artistas mexicanos, que passaram a desqualificar Aparicio antes da premiação. A tentativa de boicotar a nomeação da atriz, que era professora de pré-escola em Tlaxiaco e ainda sem experiência nas telas, foi divulgada no Twitter por Rossana Barro, coordenadora do Festival Internacional de Cinema Morelia. Segundo ela, havia um grupo mobilizado de atrizes mexicanas para pedir à academia de cinema que Yalitza Aparicio não fosse considerada para a categoria de melhor atriz.
A elevada dose de racismo e preconceitos nas críticas dirigidas à artista mexicana nos remete ao nosso Brasil e às forças ultraconservadoras que impõem a manutenção do regime de ódio dentro do campo político, extravasando para os pequenos atos do nosso cotidiano, no qual a inveja reina soberanamente. Aqui também, mensagens de ódio e racismo foram dirigidas à jornalista Maju Coutinho, quando de sua estreia na apresentação do Jornal Nacional. Ela é a primeira mulher negra na bancada do programa jornalístico em cerca de 50 anos de existência. Aqui mesmo, em Juiz de Fora, a cantora, instrumentista e compositora Alessandra Crispin foi chamada de “macaca”, “vagabunda” e “sapatão”, além de ter sido alvo de outros xingamentos em sua página profissional no Facebook. Tanto no México como aqui, as redes sociais foram e são o meio fértil para o florescimento desses ataques.
Com isso, queremos dizer que esse tipo de agressão, que, às vezes, parece endereçada apenas a determinadas pessoas, como se fossem casos isolados, faz parte de um sistema histórico e que, atualmente, encontra-se no seu auge e quer colocar as minorias sempre em posição de subserviência, reforçando os preconceitos. No caso da atriz mexicana, quem conhece as telenovelas produzidas no México consegue enxergar o preconceito histórico com que tratam as pessoas de origem indígena, sempre relegadas a papéis caricatos ou com pouco destaque. E o protagonismo fica reservado aos brancos com estereótipo europeu. No Brasil não é diferente no que se refere aos negros na teledramaturgia.
Yalitza Aparicio, que também foi julgada por ser tida como uma atriz de poucos recursos, interpretou com naturalidade sua Cleo e, com certeza se saiu majestosa, assim como nossa Fernanda Montenegro, que, ao retratar uma mulher brasileira comum, em “Central do Brasil”, também foi indicada ao Oscar e nos brindou com um trabalho intenso, contundente e sensível. Aparicio ganhou o mundo após sair de um município de 40 mil habitantes, onde a maioria das residências não tem saneamento básico e a carência restringe a existência de muitos jovens que não conseguem romper esse ciclo inevitável. Todavia, Aparicio ousou a desafiar seu destino!