Nesta semana, o amigo Adriano Moura, professor de literatura, poeta, dramaturgo e romancista, que acaba de lançar o seu mais novo livro, “Invisíveis”, desabafou assim no Facebook: “Não romantizo esse mundo pós-pandemia. Fizemos a Segunda Guerra depois da Primeira. Chernobyl depois de Hiroshima e Nagasaki, Bolsonaro depois de 64. O ‘novo normal’ pode ser uma versão asséptica do velho normal. Pandemia não é réveillon. Não adianta pular ondinhas e achar que vai ficar tudo bem. O dia seguinte geralmente é de ressaca das merdas feitas na hora da virada.”
A afirmação realista desse meu amigo me fez revisitar muitos pensamentos refletidos e leituras realizadas ao longo deste período de quarentena. Confesso que, no início dessa crise sanitária e de tantas outras crises que vieram junto com ela, minha compreensão me levava a acreditar que nós, humanos, sairíamos um pouco melhor disso tudo. Cheguei a registrar essa esperança aqui neste espaço.
Na coluna com o título “Informação confiável, pandemia e empatia”, publicada no dia 19 de março, escrevi: “Minha esperança é de que, quando o coronavírus passar, tenhamos aprendido alguma coisa com ele sobre nossa humanidade.” Todavia, com o passar dos dias, essa expectativa otimista começou a desmoronar. O choque com essa realidade de incertezas, com o festival de perversidades que continuou a acontecer ao longo da quarentena, foi me roubando a esperança.
Essa descrença na humanidade eu registrei em texto posterior, quase um mês depois daquele em que ainda depositava fé nas pessoas. Em 25 de maio, na coluna “É possível acreditar no novo normal?” escrevi: “o que é normal para um, não é normal para outro. O que é normal? Tem gente apoiando, como normal, a ideia de que é aceitável morrer mais de mil pessoas, em 24 horas” e também: “Há aqueles ainda que consideram normal uma ação policial que, infelizmente, termine com a morte de inocentes, como aconteceu com João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, no Rio de Janeiro.”
No momento em que escrevia este texto, o Brasil havia atingido a triste marca de mais de 60 mil mortos pela Covid-19, mas isso não é capaz de aplacar a sanha de muita gente. Existem os que se voltam contra as vítimas do coronavírus, os gestores que desviam recursos dos hospitais destinados a tratar os pacientes da pandemia, os que não se importam para as vidas dos negros, índios e pobres, os que mentem para valorizar o Currículo Lattes e os que mentem de modo geral. Sem falar de casos de idosas sendo mantidas em situação análoga à escravidão em bairros nobres desse país, que ainda pensam estar no século XIX. Todas essas situações empurram o Brasil para a beira do abismo sem volta.
Dessa forma, estou de acordo com meu amigo Adriano, pois não é possível mais romantizar o mundo pós-pandemia. Não há café capaz de curar essa ressaca que nos maltrata o corpo! O triste disso tudo é ter a sensação de que estamos perdendo, realmente, a chance de uma transformação do mundo para melhor!