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Os “inocentes”, o Leblon e a Covaxin

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Drummond, em seu poema “Os inocentes do Leblon”, versou sobre falta de empatia e de solidariedade. Lá nos idos da década de 40 do século passado, o Brasil e seu povo já careciam desses sentimentos. Na verdade, ao longo de sua história, desde o “descobrimento”, os brasileiros sempre necessitaram de mais empatia e solidariedade. Mas, agora, quero falar dos “inocentes” que, no limiar da Segunda Guerra Mundial, gastavam seu tempo na praia, aproveitando a areia e o sol, sem se importarem com o que estava acontecendo do outro lado do mundo, como alertou o poeta que soube fazer crítica social sem perder o refinamento. Diante da exuberância do Atlântico, essa gente rica, moradora de um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro e que gostava de curtir a vida, não se dava conta do genocídio que acontecia na Europa. 

Esse quadro que pintei agora em muito se parece com os “inocentes” atuais, porém, não especificamente com os da Zona Sul carioca, mas com os de Brasília, onde, como sabemos, é impossível saber o que acontece nos ministérios. Mesmo com a existência da Agência Brasileira de Inteligência e todo o sistema disponível de informações, fica difícil saber o que acontece em 22 ministérios, uma vez que só em um deles existem mais de 20 mil obras. Todo arsenal à disposição é usado para monitorar inimigos, mas não para saber o que acontece no próprio quintal, ou, melhor dizendo, no próprio jardim. 

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A favor da Covaxin houve muito empenho e boa vontade, e os irmãos Miranda tentaram avisar, mas foram ignorados. Também não houve negativa e desmentido. O que restou foi o silêncio, a mudez dos inocentes talvez refestelados à beira do Paranoá, bebericando coquetéis e passando óleo suave nas costas sob o calor escaldante do sol do cerrado.

Ajustado ao momento da pandemia, o poema do autor de “Sentimento do mundo” ainda tem muito a nos dizer. Como os inocentes do Leblon que não viram o navio entrar, nem se incomodaram com um grama de rádio, os “inocentes” de hoje, e agora não falo só sobre os da capital do Brasil, se comportam da mesma forma, preferindo o desfrute em vez de manter o luto pelos mortos, desde que os mortos sejam dos outros, os outros mais de 500 mil. Tanto é verdade que recusam o uso de máscara, frequentam festinhas clandestinas e “motociatas”, ignorando o risco de um vírus, assim como décadas atrás os inocentes do Leblon, com seus corpos dourados, também fingiram não saber do poder de destruição da radioatividade. 

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A obra de Drummond, datada de 1940, poderia ter sido escrita agora, porque, mesmo com mais de meio milhão de vidas perdidas e a fome estampada nas ruas a cada semáforo, os “inocentes”, “definitivamente inocentes”, não conseguem condoer-se pela própria situação. Acham-se os maiorais, porque não existe culpa e se consideram acima de qualquer suspeita e vivem num eterno verão, em que “a areia é quente, e há um óleo suave/ Que eles passam nas costas, e esquecem.”

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