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Ser médico herói é fazer o que tem que ser feito. Nem menos, nem mais

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– A campanha ChoosingWisely começou nos EUA, em 2012, mas já está presente em diversos países, inclusive o Brasil,constituindo uma grande rede internacional. Quais seus fundamentos, ou seja, de que necessidade ela surge?

Guilherme Barcellos – Somos mais de 20 países hoje. ChoosingWisely é uma iniciativa, hoje global então, para ajudar médicos e engajar pacientes em diálogos sobre excessos em intervenções, colaborando para escolhas sábias em saúde. Surge de evidências consistentes de desperdícios em saúde. É um fenômeno que coexiste com subemprego de intervenções. Esta segunda condição muito frequentemente está relacionada a problemas de acesso e iniquidades. Mas mesmo países subdesenvolvidos enfrentam utilização excessiva de alguns recursos.

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– Como se dá na prática?

Na prática ela tem três principais braços. O primeiro são conversas entre profissionais, a partir de listas que grupamentos da saúde, liderados necessariamente por profissionais da linha de frente, fazem, trazendo recomendações do que não deve ser feito ou para minimizar intervenções específicas. O segundo braço está relacionado a conversas com pacientes e familiares, com base nas recomendações feitas pelos grupamentos da saúde adaptadas para uma comunicação que lhes seja acessível. Esta adaptação consiste na transformação de uma recomendação técnica para a ‘língua dos pacientes’. O ideal é uma linguagem que todo mundo entenda, com recursos gráficos que facilitem a compreensão. O terceiro e último é a implantação e mensuração do desenvolvimento dasiniciativas multimodais para “pôr em prática a ChoosingWisely”. É o que estamos fazendo em hospitais e clínicas. Preconiza-se que as recomendações sejam geradas nas próprias unidades e, depois, associadas a iniciativas que utilizam da ciência da melhoria para a busca de efetiva transformação.

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– Quais são as premissas do movimento ChoosingWisely Internacional? 

As recomendações são ou devem ser construídas por quem irá cumpri-las, ou seja, tomada de decisão bottom-up, e podem/devem ser ajustadas aos valores e preferências dos pacientes e familiares. Nada rígido então. Esse tipo de modelo bottom-up é ideal para quando se deseja fazer alguma mudança profunda, estrutural. Pode demorar mais tempo, porque prescinde de uma desconstrução do problema e de um debate aprofundado. Outra premissa, complementar, na verdade, é a independência técnica de fontes pagadoras e comitês gestores. Não queremos, em hipótese alguma, que seja confundida com iniciativa de racionamento de recursos.

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A ChoosingWisely busca a segurança do paciente diante de evidências médicas e da visão estatística e epidemiológica. Como não confundir essa cultura do “menos é mais” com uma simples redução de custos?

– Como o movimento tem se desenvolvido no Brasil? Há adesão das sociedades brasileiras de especialidades? Quais?

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No movimento internacional há alguns países que despontam, principalmente EUA, Canadá, Itália e Austrália. Estamos na média de um bloco intermediário, com amplo caminho pela frente, mas muitas conquistas em pouco tempo. A ChoosingWisely Brasil surgiu em 2015. (Veja lista completa no quadro)

Uma das formas é o que coloquei anteriormente: um distanciamento verdadeiro das fontes pagadoras. E as fontes pagadoras verão que é inteligente permitir e estimular. Elas têm outras formas de buscar controle de desperdícios. São esforços complementares, mas o nosso não tem custos como objetivo. Importante destacar ainda que distanciamento não é desacoplamento. Em alguns países, fontes pagadoras têm oferecido grants(dotações) a instituições ou grupos que concorrem em iniciativas de melhoria da qualidade. Isto indiretamente tem impactado na implantação de ChoosingWisely em hospitais e clínicas. Mas a ChoosingWisely Brasil deve estar à parte. Por esta razão, possuímos código de condutas em queregula-se conflitos de interesse de nossos membros, mais fortemente quanto mais perto da coordenação geral estão.

Em relação a países como Estados Unidos e Canadá, dados sobre o overuse no Brasil – uso excessivo de procedimentos, exames e medicação – ainda são incipientes. Isso compromete a abordagem da campanha? Que iniciativas têm sido tomadas neste sentido?

Tem os dados recentes do IESS – Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, mas realmente estamos atrás. Dados empíricos e troca de experiências internacionais sugerem que muitos de nossos problemas são igualmente relevantes, como o uso excessivo de antibióticos para infecção viral, exames de imagem para dor lombar e de benzodiazepínicos de longo prazo para pacientes com mais de 65 anos. Há outros até mais, como cesarianas, por exemplo.

 – Como engajar os pacientes neste movimento? A medicina defensiva – em que o paciente determina o que o médico deve fazer – é uma ameaça?
O engajamento de paciente ainda é algo que no projeto brasileiro devemos aprimorar. Uma das formas é colocando o tema na mídia, e estamos fazendo isso agora. A Medicina Defensiva é um dos fatores que favorece a sobre utilização de recursos. Particularmente, acho que deve ser vista como ameaça importante, porque, na prática, assunta aos médicos. No entanto, algumas evidências sugerem que fazer mais não necessariamente reduz litígios. O mais importante neste aspecto é a existência e manutenção de uma boa relação médico-paciente.

– Em artigo que está no portal Proqualis, o senhor e o co-autor, Luis Claudio Correia, dizem que “ser médico herói é fazer o que precisa ser feito”, em alusão a uma história que envolve o personagem do cinema Indiana Jones. Pode explicar essa comparação?

Certa feita, um dos líderes da ChoosingWisely nos Estados Unidos comparou esta história toda ao filme de Indiana Jones em que o herói procura o Santo Gral. Na cena final, há vários cálices e apenas uma chance de escolha do correto, aquele que seria o verdadeiro. O guardião dos cálices avisa aos personagens: “Choosewisely”. O primeiro a escolher, de forma óbvia, escolhe o cálice mais bonito e precioso. Mas como sabemos, em ciência, nem sempre o plausível é o verdadeiro. Aquele não era o Santo Gral e o vilão se dá mal, sendo transformado em caveira. Por outro lado, Indiana Jones é um cientista e usa sua mente científica para fazer a escolha mais sábia. Ele escolhe o cálice mais simples, mais condizente com os valores em jogo. E acerta, conseguindo a conquista do Santo Gral. Como médicos, precisamos pensar sabiamente. Usar recursos sem comprovação científica ou de forma exagerada nos aproxima do vilão do filme e distancia-nos de Indiana Jones. Ser médico herói é fazer o que tem que ser feito.  Nem menos, nem mais.

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