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Os retratos sensíveis e sorridentes de Priscila Aquino

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Priscila diante do painel que desenhou, sozinha, em giz, retratando os idosos da clínica onde trabalha. (Fotos: Olavo Prazeres)

Ainda que não estejam mostrando os dentes, os retratos parecem sorrir, pelos olhos, pelas covinhas aparentes, pelo traço das sobrancelhas, parecem sorrir. Priscila Mosqueira de Aquino, generosa, compartilha com seus desenhos a forma afável como encara a própria vida. Sorridente, conta sobre os primeiros rabiscos, anteriores à própria memória e, por isso, frutos das histórias que os pais lhe contaram. “Minha mãe lembra que desde pequena eu gostava de desenhar. Era criança e para eu ficar quietinha ganhava um lápis de cor e um papel. Com 3 anos eu ficava rabiscando. Meu pai conta que, um dia, cheguei para ele e falei: ‘Um índio se faz assim!’, e desenhei o índio da embalagem do Arroz Sepé. Fiz o contorno e mostrei. Ele diz que, naquele dia, ficou tão surpreso porque viu o que eu sabia fazer. Os dois me incentivaram muito, sempre falando para eu fazer mais e mais”, narra ela, aos 32 anos.

Na escola, os colegas rodeavam para ver Priscila desenhar. Pediam, também, que ela fizesse as capas do trabalho. Era uma atração. Aos 11 anos, ela entrou para um curso, mas só permaneceu por três meses. A prática é que foi a mestra da menina. “Gostava de colorir, então fazia o desenho e coloria. Antes da internet, meu pai me dava vários livros, recortes de jornal, também”, lembra ela, que sem professor aprendeu técnicas para desenhar pés e expressões faciais. “Eu gosto de desenhar pessoas, mas, como não sabia, ficava tentando, pegando revistas para copiar e pesquisando técnicas.”

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A lousa vermelha

“Procuro seguir bastante a referência, mas acabo criando”, observa a artista, que expôs seus trabalhos apenas uma vez, num shopping da cidade. “A emoção que a pessoa transmite é o desafio de passar para o papel. Coloco uma música clássica para relaxar e vou fazendo”, diz ela, que ouve Mozart, Beethoven e outros clássicos. “Meu pai me ensinou a ouvir música clássica. Ele é músico, toca clarineta, gosta de ler”, enumera Priscila, que mora com o pai, Aloízio, supervisor de segurança aposentado. A mãe, Heloísa, parou de trabalhar quando ela nasceu, mas manteve-se ativa, como autônoma, e, hoje, colabora com a Comunidade Resgate, que fica próximo à casa onde a família vive, na Avenida Sete de Setembro, onde, aos 18, Priscila começou a trabalhar, ajudando a mãe num armarinho. Depois passou para a Comunidade Resgate, para os Correios do Manoel Honório, para uma lavanderia no Linhares e, há quatro anos e sete meses, atua como auxiliar administrativa no Vida Saudável do Plasc, espaço clínico voltado para o estímulo a hábitos saudáveis. No lugar, localizado num prédio comercial na Avenida Rio Branco, Priscila encontrou, ao retornar de férias, uma parede vermelha. “Para você”, apontou a coordenadora, pedindo desenhos em giz. “Foi um desafio, porque desenhar no papel é muito diferente. No papel faz a sombra para ter a imagem e, no giz, faz a luz para ver a imagem. Fui fazendo a ampliação no olho”, explica a desenhista, que retratou alguns dos pacientes idosos do local. Todos sorrindo.

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A presença do irmão

Durante toda a vida escolar, Priscila estudou na Escola Estadual Batista de Oliveira, junto do único irmão, Vagner, que aos 10 anos usava uma cadeira de rodas para se locomover. “Levávamos eu, minha mãe e minha tia. Tinha um morrão para subir, e a gente ia empurrando. Cada um empurrava de um lado. Depois, na saída, os amigos ajudavam a descer. Todo dia era assim”, narra ela, sobre o irmão, três anos mais novo e, que, aos 18, despediu-se. Ainda bebê, Vagner demorou a andar, caía muito. “Uns médicos falavam que era verme. Ele usou bota e tudo o mais. O último médico diagnosticou que ele tinha distrofia muscular progressiva. No começo foi um susto. Não sabíamos como lidar, não tínhamos informações. O médico tinha falado com a gente que ele iria embora aos 10 anos. Fomos ajudando até o fim, e ele chegou aos 18. Ele fazia tratamento como hidroterapia e coisas assim. Fizemos tratamento com psicólogos para também poder entender. Aprendemos a lidar. Sempre lembro dele, mas com carinho e sem dor. Ele cumpriu sua missão”, ressalta ela, que estava acompanhada de uma das tias, em casa, quando o irmão deu seu último suspiro. Foi ele quem ensinou Priscila a usar o computador. “A gente cresceu junto. Brincávamos muito, na rua. Em frente de casa, tinha um espaço, um passeio mais largo, e brincávamos de queimada, de correr, de pular corda”, lembra.

A dedicação constante

Grandes, tanto a família do pai quanto a da mãe de Priscila sempre se revezaram nas festas aos finais de semana. “Toda semana, era na casa de um. Até hoje têm muitas festas. E eu sempre fiquei com meu caderninho num cantinho”, recorda-se ela, que quando não está trabalhando, ou está desenhando, ou está cuidando do afilhado de 5 anos ou, ainda, vai às missas da Comunidade Resgate, às segundas, e do Padre Pierre, às terças. “Desenho nas horas vagas. Estou em casa, estou desenhando. Estou no telefone e estou desenhando, tanto que a folha fica cheia de desenhos”, detalha ela, sempre às voltas com papel e caneta. Na clínica, ela chega às 8h e sai às 18h. Em casa, Priscila ainda atende encomendas. Seus desenhos já foram entregues ao cantor Anderson Freire e Gusttavo Lima. “Muita gente pede caricatura, mas prefiro o realismo”, diz ela, que iniciou o curso de design gráfico na Estácio mas acabou por trancá-lo. “Pretendo voltar, aperfeiçoar minhas técnicas e nos programas, para que eu possa investir nessa área”, afirma, abrindo um sorriso para, em seguida, concluir: “Estou caminhando para melhorar, sempre.”

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Detalhe do painel que Priscila criou em seu trabalho.

 

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