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S.Carlos: as pinturas do dono de uma assinatura sempre presente na cidade

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Sebastião Carlos, que assina S.Carlos, fez uma única exposição individual na vida, mas já chegou a ser premiado por trabalho autoral. (Foto: Olavo Prazeres)

Talvez Sebastião Carlos da Silva seja o mais popular pintor da cidade. Suas telas não ocupam galerias ou museus. Estão dispersas pelas ruas, em portas de lojas, muros, placas e letreiros. A assinatura S.Carlos está logo abaixo das pinturas, ao lado de seu contato telefônico. Onipresente, o trabalho do homem de 53 anos integra a paisagem numa naturalidade que parece própria do artista autodidata, de riso fácil e um entusiasmo contagiante, capaz de transmutar qualquer exercício de vaidade em sincera alegria com o ofício. “Uma vez pintei um painel numa loja na Avenida Brasil com o mar, um pôr do sol, uma estrada e um carro esportivo. Ali passava um professor universitário que me via desenhando e chamou os colegas para ver o que eu tinha feito. Outra vez fiz o carro do Ayrton Sena na porta de uma loja de automóveis, no Bairro da Lapa, em São Paulo. Muita gente achava que era foto”, orgulha-se ele, logo apontando para a imagem de uma detalhada retro escavadeira em tons de laranja. “Esse desenho tem quatro metros. A empresa que me contratou já havia chamado dois caras, formados na área, e eles não conseguiram. É preciso ter o dom, costumo dizer.”

E nem só de dom é preenchida a pintura de S.Carlos. “Quando recebo qualquer indicação para pintar, a primeira coisa que faço é tirar a medida, fazer a escala e encaixar o trabalho no lugar onde será pintado. Não se faz nada no olho, é preciso fazer a escala para tudo. Quadriculo o espaço, que é a máquina de desenhar dos antigos como Michelangelo. Bato as linhas no giz e, quando acaba, tiro tudo, para a pintura não ficar marcada”, explica ele, correndo para mostrar dois grandes painéis de mais de cinco metros, com carros antigos, que pintou num bar no Manoel Honório. Cada um deles levou dois dias para ser finalizado, tamanha a precisão do traço. “Imagina só você pedir para pintarem um retrato, e você não gosta. Você devolve, não é mesmo?! Em São Paulo, por exemplo, eu pintava muitos retratos”, recorda-se o artista que também se dedica à produção de quadros, desde que haja encomendas. Uma única vez fez uma exposição individual, na Câmara Municipal. Diz não sentir falta. O tempo está sempre tomado pelo trabalho, de fachadas de lojas a cenários de apresentações de balé. Sua galeria é o caminho por onde todos passam.

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Autodidata, S.Carlos aperfeiçoou-se num curso por correspondência. Para ele, não basta formação: “É preciso ter o dom” (Foto: Olavo Prazeres)

O esboço

“Desde os 5 anos eu já desenho”, conta Sebastião Carlos, nascido no distrito de Valadares, filho de um motorista da Prefeitura e de uma dona de casa e irmão de sete. “Lembro que ainda criança, ao invés de ficar prestando atenção nas aulas, ficava desenhando. A Coca-Cola tinha lançado umas tampinhas com desenhos dos personagens da Disney, Pato Donald, Tio Patinhas, e eu ficava copiando aquilo na folha. A professora puxava minha orelha: ‘Olha, Sebastião, você não vai aprender nunca, vai ficar burro, porque só fica desenhando!’. Hoje fico lembrando e vejo que estava só praticando o meu dom, não estava errado. Depois, com 13 anos, já pintava um cavalo com as patas para cima. Aprendi a desenhar olhando. Quando inteirei 16, fiz o curso de desenho artístico, por correspondência. Aprendi perspectiva, a anatomia do corpo humano, mas já tinha comigo o dom. Com pouco mais de 20, fui para São Paulo trabalhar como desenhista e letrista. A empresa em que fui trabalhar tinha convênio com a Playboy, então, em todo trabalho que eu fazia tinha que desenhar aquele coelhinho. Só voltei porque a minha esposa não queria mais continuar lá, a violência era muito grande. Minha vizinha, uma japonesa, amiga nossa, foi assaltada, e os ladrões quase mataram ela por conta de uma televisão e um videocassete. Há 27 anos estou fazendo isso em Juiz de Fora”, recorda-se o morador do Nova Era, casado há quase três décadas com Cleonice, que trabalha no Hospital João Penido e pai de Denise, formada em administração e cursando pedagogia, e de Talita, que conclui o curso de arquitetura. S.Carlos estudou até a oitava série. Mas não lamenta. O desenho tomou conta da vida.

A escala

“Cheguei a trabalhar na Fábrica de Cobertores São Vicente. Tinha pouco mais de 20 anos”, traz à memória Sebastião Carlos. “Queria muito era trabalhar como desenhista numa indústria de papéis, mas me ofereceram pagar apenas um salário mínimo nos três primeiros meses. Se eu passasse da experiência, eles pagariam um salário e meio. Para mim, não tinha conta, não valia a pena. Como tinha facilidade de aprender as coisas, fui para a fábrica de cobertores. Foi então que o Palácio das Artes fez uma exposição de todos os funcionários da indústria no Estado. De Juiz de Fora, participaram cerca de 40 pessoas. Em Minas Gerais, foi um total de 350 participantes. O gerente da fábrica me incentivou a mandar três quadros. Sei que teve muito engenheiro da Rede Ferroviária, da Mendes Júnior, que mandou trabalhos. E sabe o que aconteceu? Fiquei entre os premiados. Na segunda edição também fui premiado”, afirma ele, que a partir de então decidiu apostar na carreira de letrista e foi arriscar a vida na capital paulista. Na rotina de trabalho, aprendeu a refazer serviço malfeitos dos outros e a criar imagens realistas mesmo em espaços repletos de deformidades. “Para pintar porta de aço, é preciso ter paciência, e o macete de apoiar a mão de maneira certa, senão sai tudo torto”, observa o homem cujo passado guarda experiências como a das campanhas políticas com seus muros repletos de nomes, números e slogans, artifício de propaganda hoje proibido pela legislação eleitoral. “Já cheguei a ganhar R$ 40 mil em 30 dias de serviço. Era a época das vacas gordas. Lembro de fretar uma Kombi e viajar por essas cidades da região.”

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A tinta

“Eu me divirto trabalhando, e isso é a melhor coisa que existe, porque se você faz o que gosta, não fica estressado.” S.Carlos diz isso e sorri. “Para você ter uma ideia: comecei a pintar um quadro para um cliente às 20h, viajava tanto na paisagem que, quando fui ver, já eram 3h da madrugada, tomei banho e fui descansar”, orgulha-se. “Hoje tenho minha casa, meu carro. Sonho, para ser sincero, em ver minhas filhas formadas”, pontua o evangélico da Casa da Benção, que não bebe nem fuma. “O álcool e as drogas são a destruição dos homens. Tem gente que bebe socialmente, outros, o dia inteiro. Tem gente que fuma um cigarro só, outros, três maços num dia. Já perdi muitos amigos para isso, então, me afasto. Gosto é de ler. Leio muitos livros de faroeste. Quando era criança, lia revistas da Disney e do Maurício de Sousa. Mais tarde, a medida que ia crescendo, lia os heróis da Marvel, até que um dia, quando morava perto do Parque de Exposições, um colega chegou e falou que era tudo mentira, não tinha como o Hulk levar tiro e não morrer. Desanimei e não li mais, passei para o faroeste, que tem uns desenhos tão bons e histórias com início, meio e fim, daqueles que você fica com pena de chegar no final”, comenta o artista, que na lista de preferências coloca sempre o próprio onipresente trabalho: “O desenho é meu hobby.”

Artista genuíno, S.Carlos elabora a escala de seus desenhos e quadricula a área em giz para que nada saia irreal. (Foto: Olavo Prazeres)
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