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Lenilton, o Padeirinho, e seu andar com fé

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Lenilton tem 33 anos, nasceu na zona rural de Caratinga, onde a família cuida da lavoura, e há 16 anos vive sozinho em Juiz de Fora: “Quero trabalhar para ter minhas coisas e viver com dignidade”. (Foto: Olavo Prazeres)

Jardim de Alá, Santa Luzia, Mundo Novo, Santa Cecília, São Mateus, Dom Bosco, Cascatinha, Teixeiras, Ipiranga e Arco Íris. Aproximadamente 15km. O trajeto por dez bairros da Zona de Sul de Juiz de Fora Lenilton Silvério faz pedalando ou a pé, carregando a bicicleta e o agigantado balaio com pães que vende nos turnos da manhã e da tarde. Aproximadamente 30km diários. “Cansar é normal. O cansaço é digno e gratificante”, defende o homem de 33 anos, conhecido como Padeirinho pelas muitas e muitas ruas por onde passa com sua buzina anunciando os pães que deixam a padaria às 6h e às 13h30 para seguir uma extensa e custosa rota.

“Agora saio com 160 pães de sal e 40 pães doces. Antes saía com mais. No começo, já cheguei a vender mil pães num dia. Mas costumava vender 500, 700 todo dia. Hoje, muita gente que me comprava faleceu, e o desemprego abateu muita gente. Antes eu chegava a vender duas cestas e meia, tinha que socar os pães lá dentro. Hoje ela está vazia. Tanto que nem trabalho domingo mais”, diz ele, que pelo pão de sal recebe apenas R$ 0,05 por unidade. No pão doce, ganha R$ 0,10.

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De porta em porta, o homem de olhos claros e a pele queimada pelo sol a pino oferece seus pães. Há dias em que esvazia logo o balaio. Em outros, leva mais tempo. Não esmorece. Segue cumprimentando quem encontra pelo caminho, conversando com um vendedor aqui, outro acolá. Anda com fé. Com a fé que está na mulher, na cobra coral e num pedaço de pão, como canta Gilberto Gil. Anda com a fé no que virá: “Tenho vontade de trabalhar mais uns dez, 12 anos – porque sou novo – para comprar um pedacinho de terra para mim, construir um sítio e tocar as coisas. A natureza nossa é da roça. Se falar de criação e agricultura, vou entender, porque é coisa da gente. Já bati pasto, já plantei arroz, mexi com horta e criação, está na mente e no coração. Mas, agora, se você falar de celular e tecnologia, não sei nada. Nem ligo. Uma vez fui atender o celular enquanto trabalhava na rua, ele agarrou na pochete, perdi o controle e a carreta passou buzinando.”

O sonho de Lenilton é comprar um lote em sua Caratinga natal para plantar e colher, como sua família já faz, há décadas. (Foto: Olavo Prazeres)

Em nome da casa

Era 1995, quando 20 rapazes de Caratinga, todos conhecidos de Lenilton, resolveram ganhar a vida em Juiz de Fora. Aos 11, o menino se alimentou daquele destino. “Eu estava trabalhando na roça, na lavoura, mas o serviço estava muito ruim, porque a região nossa é muito castigada, chove pouco. Eu estava trabalhando, trabalhando e não ganhava nada”, conta ele, que, seis anos depois, decidiu seguir o mesmo caminho. Inicialmente, dividiu casa com mais oito no Bairro Cidade do Sol. Do grupo, restaram apenas dois. “Foi até bom, porque os outros gostavam muito de festa, balada, bagunça, e eu vim com o pensamento de trabalhar mesmo. Na época, eles falavam que eu não saía, não passeava. Falei assim: ‘Pago aluguel e da minha vida particular cuido eu – e Deus!’. Na família do meu pai, todos bebiam. E eu nunca quis esse sofrimento para mim. Graças a Deus, nunca pus um gole de álcool na boca. Vim tentar a vida, não sofrer”, argumenta ele, que há quase dez anos mora sozinho no Bairro Arco Íris. “Morei de aluguel por dez anos. Hoje comprei meu terreninho e construí minha casa, com muita dificuldade e sacrifício. Quero trabalhar para ter minhas coisas e viver com dignidade. Dinheiro, se souber usar, ele te faz bem. Mas se não souber, ele te fará mal. Dentro das coisas de Deus, fala assim: ‘O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males'”, diz o membro da Casa de Oração, citando o sexto capítulo da Primeira Carta de Paulo a Timóteo.

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Recebendo R$ 0,05 por pão de sal, Padeirinho conseguiu construir a própria casa. (Foto: Olavo Prazeres)

Da família

Eram outros os tempos em que a família levava na bicicleta o que retirava da terra. “Na época do meu avô, o pessoal vendia mercadoria nas ruas lá da minha região”, conta ele, desde pequeno envolvido com o suor do campo. “Meu pai e minha mãe trabalham na Ceasa. Eles vivem da agricultura, plantando milho, feijão, arroz, café, verduras. Até hoje eles mexem com isso. Quando vou para lá, ajudo”, diz o homem que deixou para trás os pais e as duas irmãs. Ao menos uma vez por mês, ele volta para a casa da família. Enquanto isso, vive sozinho em casa e rodeado de amigos nas ruas. “Arrumei duas namoradas, mas não deu certo. Pedi a Deus para colocar uma pessoa digna do meu caminho, porque ilusão já tem muita. Se for da vontade de Deus eu ter uma família, ele põe uma pessoa simples e humilde para mim”, observa tímido o trabalhador irrefreável, que, no horário do almoço, entre um turno e outro, não aceita parar. “Dá para fazer muita coisa”, ri. “No início, logo que cheguei, peguei bico para fazer, fui mexer com obra, capinar lote, até me firmar. Quando batia a saudade de casa, ia ver o pessoal que veio de Caratinga.”

Nas ruas de Juiz de Fora, o homem de 33 anos conheceu os sorrisos amigos e a infeliz violência rotineira. (Foto: Olavo Prazeres)

E do trabalho árduo

Era de dia quando um dono de padaria sacou a arma para ameaçá-lo por vender para a vizinhança. Lenilton explicou: a freguesia foi conquistada pouco a pouco. “Já fui assaltado quatro vezes. Há dois anos, o camarada pôs uma arma nas minhas costas. Aqui em São Mateus já levei pedrada, o cara já mostrou faca para mim. Não pude reagir, mas dizia que estava trabalhando. Não vim para apanhar, só trabalhar. Quero é viver com dignidade”, reafirma ele, que diz comer cerca de dez pães por dia, entre um café e outro, oferecido de casa em casa. “Não gosto de enlatado, coisas com conservantes. Refrigerante eu não tomo. Gosto do que é natural”, defende ele, que anda o dia inteiro e, às segundas, quartas e sábados, chega em casa e logo segue para a igreja. Dorme às 20h, e às 5h já está de pé. “Faço a minha oração, leio um versículo da Bíblia e vou trabalhar. E assim eu sigo.”

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