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Filhos de Tebas e donos do Rainha: Arilson, Admilson e Ruimar

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Rui, Admilson e Arilson: O amigo e os dois irmãos cresceram juntos e hoje compartilham do desafio de gerenciar um bar que recebe mais de duas mil pessoas por dia. (Foto: Fernando Priamo)

Tebas foi a capital do reino egípcio durante o Império Novo, que durou de 1550 a.C. a 1070 a.C. Tebas também foi uma cidade-estado grega, que após lutar com Esparta e Atenas, foi destruída pelo exército macedônio em 335 a.C. Doze quilômetros separam Leopoldina de outra Tebas, um pequeno distrito com cerca de dois mil habitantes e a 82 quilômetros de distância de Juiz de Fora. Poucas ruas formam o lugarejo, que no mapa tem ressaltados a Igreja de Santo Antônio, o campo, um parque e uma padaria. No endereço que nem o Google Maps mapeou nasceram, há 42 anos, Ruimar Costa e Arilson Guerra. Irmão mais novo de Arilson, Admilson, de 34 anos, também é filho da terra, que, segundo a lenda, recebeu alguns dos parentes do inconfidente Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

“Vivíamos na roça mesmo. A gente morava dentro da cidade de Tebas, mas o pai plantava feijão e outras coisas na roça. Ajudávamos. A gente plantava milho, tirava leite. A condição de vida lá era muito ruim”, recorda-se Ruimar, mais conhecido como Rui. “O último serviço nosso foi empacotar carvão, para ganhar o almoço e R$ 3 por dia. Minha irmã veio trabalhar aqui, e meu irmão se alistou no exército. Eu tinha uma bicicletinha lá, vendi por R$ 50 e vim embora”, acrescenta ele, que estudou apenas até a quarta série.

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Arilson também empacotava carvão. Trabalhou lapidando diamantes, ainda, além de, em maior tempo, atuar na lavoura, ao lado do pai. Juntos a muitos outros tebanos, os amigos enchiam sacos de 5kg num galpão fechado, das 7h às 17h. “Quando saíamos do trabalho, tínhamos que tomar quatro banhos. A gente ficava pretinho de tudo. E tinha que usar sabão, porque só com sabonete não saía, não. Era o dia todo respirando aquilo”, conta Rui, sobre o ofício que anos mais tarde Admilson seguiu. Não havia escolha, diz. Tinha 12 anos quando viu o irmão e o amigo saírem de Tebas. Guardou consigo o projeto que também era seu.

Arilson, Rui e Admilson: Quando chegaram a Juiz de Fora, todos experimentaram a vida como garçom. (Foto: Fernando Priamo)

Destino: Juiz de Fora

Era 1997 quando Rui e Arilson desembarcaram, com suas malas, na Praça da Estação e seguiram para o apartamento de três quartos que iriam dividir com mais seis moradores. Viveram na república por quase dez anos. Amigos desde a infância, estavam acostumados a compartilhar a vida desde que a mãe de Rui se relacionou com o pai de Arilson. “A vida era bem apertada”, lembra Arilson. Em Juiz de Fora, prometerem aceitar qualquer proposta digna de emprego. Na casa também vivia José, tio de Arilson e Admilson, que anos antes havia pegado um ponto na esquina da Avenida Getúlio Vargas com a Rua Batista de Oliveira, onde funcionava uma loja de frango, e que ele transformou em bar e lanchonete. Ao lugar deu o nome de Rainha. O mesmo empresário, que pouco a pouco prosperou, montou os bares Rei, Princesa, Príncipe I e Príncipe II, todos no Centro da cidade. Rui e Arilson moraram juntos, mas trabalharam em endereços distintos. Rui conseguiu emprego de garçom no bar Dois Irmãos, na Getúlio Vargas, onde permaneceu por três anos. Arilson começou a trabalhar num bar de outro tio e, depois, transferiu-se para o Rainha, que à época já havia sido transferido para a Rua São João, próximo à Batista de Oliveira. Um dia, José ofereceu aos irmãos a sociedade do Rainha. Rui havia acabado de comprar um Fusca do patrão. Trocou o carro pela sociedade e continuou pagando as prestações do automóvel. Não descansaram. Atrás do balcão continuaram trabalhando muito. E há dez anos, quando o tio saiu da sociedade, foi a vez de Admilson assumir o lugar.

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Rui, Admilson e Arilson: O trio se reveza atrás do balcão, no caixa. (Foto: Fernando Priamo)

Localização: Centro

Era 2002 quando Admilson também arrumou as malas e deixou para trás o trabalho de empacotador de carvão em Tebas. Por cinco anos ele foi garçom no Gaivota Drinks, na Avenida Getúlio Vargas, até ser transferido para o Rainha, quando Arilson e Rui entraram para a sociedade. Servindo as mesas e abastecendo os freezers, ele ficou cerca de dois anos, até passar a sócio. Às 8h da manhã, as portas se abrem no bar. “Já tem três ou quatro na porta, encostados, esperando. Se a gente atrasa dez minutos, eles ficam bravos”, conta, aos risos, Rui, que com Arilson reveza, quinzenalmente, entre o turno da manhã, das 8h às 14h, e da tarde, das 14h às 19h. Admilson, todos os dias, é quem toca o bar das 19h até as portas cerrarem, por volta das 2h ou 3h da madrugada. Depende do movimento. “Se estiver vazio, é melhor fechar”, aponta Admilson. Com noções de contabilidade, a esposa de Arilson auxilia em algumas questões do negócio, mas é o trio de Tebas que toma todas as decisões, num aprendizado, dizem, diário. Aos poucos foram aprimorando o cardápio, investigando a demanda e, também, as ofertas próximas. A cerveja tem que estar sempre gelada, o que já representa boa parte do sucesso. A outra parte faz referência ao ar de extensão de casa. “É muito difícil vir alguém que a gente não saiba quem é”, orgulha-se Rui, chamando atenção, também, para o fato de alguns funcionários saírem e, depois, voltarem. Além do trio, o bar emprega outras seis pessoas, maioria delas de Tebas.

“Queremos poder voltar para Tebas e viver o finalzinho da vida lá”, diz Rui (ao centro). (Foto: Fernando Priamo)

Destino: Tebas

É 2019, e o sonho de Admilson, Arilson e Rui não é outro que não o retorno. “Queremos poder voltar para Tebas e viver o finalzinho da vida lá”, afirma Rui. Ironicamente, conta ele, os irmãos que o receberam em Juiz de Fora, hoje estão em outros cantos. Um deles voltou para Tebas, onde os três sempre estão. “Se fosse mais perto a gente ia e voltava todo dia”, brinca Admilson. “É cidadezinha pequena, onde a gente foi criado e conhece todo mundo. Aqui a gente fica tenso, mas quando chega lá pode tomar uma cervejinha onde for. Na roça eu não vou mais, não. Só se tiver churrasco. Mas para Tebas sempre tenho motivo para voltar”, entusiasma-se Rui. “Todo final de semana a gente vai para lá. Jogamos pelada, campeonato, tudo lá. E o bar apoia”, acrescenta, mostrando as camisas de diferentes clubes de futebol de Juiz de Fora e da região que ostentam, bem grande, a logomarca com a inscrição Bar Rainha. O Trecheiro, de Argirita, que também patrocinam foi campeão regional recentemente. O patrocínio de equipes e torneios revela a noção estratégica dos trio de empresários. “A gente ajuda e está sendo ajudado. É uma boa propaganda. Vamos fazendo as coisas, vai dando certo e continuamos. Aqui é assim: cada um tem uma ideia e vamos seguindo”, explica Rui, pontuando que, dessa forma, escreveram uma história diferente da que estava prevista para eles. “Conquistei bastante coisa”, diz ele, que hoje tem a própria casa, carro, moto e a casa dos pais. “Tudo o que ganhei foi com o Rainha”, faz coro Arilson, sobre o bar por onde passam, diariamente, mais de duas mil pessoas. “Dá para viver bem”, concorda Admilson, dono de 20% do negócio, enquanto os mais antigos dispõem, cada um, de 40% do bar, cujo torresmo é um dos protagonistas do cardápio. “Também adoro a feijoada e a rabada”, aponta Arilson. Rui enjoa de ver todos os dias os mesmos pratos. Admilson não recusa provar a carne de porco frita e crocante quando sai do fogo. Todos os três pais de dois filhos, não abandonam o caixa, por isso dificilmente dividem um brinde. Sempre há um em trabalho. Em nome do outro. “Somos irmãos”, diz Rui, a confirmar outra acepção para Tebas: “aquele que é destemido”.

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