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Fátima Solange de Paula, cadeirante e vendedora há quase 30 anos

(Foto: Fernando Priamo)

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Acometida pela paralisia infantil, Fátima perdeu os movimentos das pernas e do braço esquerdo, mas não a energia: “Não consigo ficar parada” (Foto: Fernando Priamo)

Fátima, que também é Solange e De Paula, faz o melhor arroz de forno da família. Com a mão direita, apenas, e sem o movimento das duas pernas, a mulher de 52 anos desde muito cedo aprendeu a cozinhar. E a se virar. “Faço de tudo com uma mão só. Passo roupa, cozinho, lavo roupa, arrumo cozinha, tudo com a mão direita”, orgulha-se ela, há meio século numa cadeira de rodas que tirou-lhe a mobilidade, mas não a coragem.

Moradora do Jóquei Clube, todos os dias Fátima desembarca, por volta das 9h, no ponto da Getúlio entre as ruas Marechal Deodoro e Mister Moore e segue, empurrada pela irmã Soraia, até os fundos de uma agência bancária na Rua Batista de Oliveira, entre o Calçadão e a Marechal Deodoro. Junto à grade está a mesa que há anos prendeu com uma corrente grossa e um cadeado já enferrujado.

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Para começar a trabalhar, Fátima coloca sobre a mesa balas, paçocas, sombrinhas, potes de café e outros produtos que comercializa desde que chegou a Juiz de Fora. “Já deve ter quase 30 anos. Antes eu ficava na Galeria Constança Valadares. Estava em casa, parada, e não queria viver só com o salário mínimo da aposentadoria. Comecei vendendo balas. Depois vendi Tele Sena. Em datas comemorativas vendo papel de presentes, também”, conta ela, que às 18h recolhe todo o material e retorna ao ponto e à casa.

Terra batida

“Nasci em Torreões, e como meu pai era caseiro de fazenda, a cada época estávamos num lugar”, recorda-se Fátima. Às vezes alguém precisava do homem em Lima Duarte e toda a família seguia para o novo local. Às vezes era em Penido, e mais uma vez todos se mudavam. “Já morei em um montão de lugares”, ri a primogênita dos oito filhos de um casal _ dois deles deficientes _, que conheceu a mais dolorosa aridez da vida no campo, daquelas de fazer roncar barriga e doer as pernas.

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“Lembro-me da minha mãe passando muito aperto. Trabalhava para os outros em troco de pacote de arroz, fubá ou feijão. Ela tirava leite, tudo para cuidar da gente. Como meu pai se dedicava mais às bebidas, tudo ficava nas costas dela”, observa Fátima, que hoje divide o teto com a matriarca, aos 72 anos e já com a mobilidade reduzida por conta de um acidente vascular cerebral (AVC), a irmã Soraia, que guia sua cadeira, e o filho Davi, de 17 anos, fruto de um namoro.

Pedra em cascalho

“Gosto de trabalhar na rua. Já me acostumei com o público e o público se acostumou comigo”, diz (Foto: Fernando Priamo)

“Tive paralisia infantil aos 2 anos. Na época, a gente morava na roça e não tinha recursos”, lembra-se a mulher numa resignação forjada à marra, desde muito antes de as palavras lhe surgirem como expressão. “Nossa casa era muito longe e não tinha como ir ao médico. Depois, quando nos mudamos para Toledos (distrito de Juiz de Fora), minha mãe ia, a pé e debaixo de chuva, até Valadares (outro distrito) para me levar ao médico. Quando adoeci, parei de andar”, lamenta ela, que na dificuldade do lar, responsabilizava-se pelos irmãos enquanto a mãe trabalhava.

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“Ela foi minha segunda mãe. Era ela quem colocava a gente no banho, fazia comida e levava para a aula. Cuidava muito bem da gente. Hoje a gente cresceu para ajudar ela. Lá em casa ela é um exemplo, porque tem muita força. Todo mundo respeita ela. Nunca a vi parada. É a nossa guerreira”, emociona-se a irmã Jussara, vizinha e presença constante na “mesa” que Fátima sustenta na rua.

Asfalto

“Estudei até a 7ª série, só. Sou louca para terminar. Se eu conseguisse uma cadeira motorizada, com certeza estudaria”, conta Fátima, que há cerca de 30 anos mudou-se para Juiz de Fora. “Eu já fazia tratamento na Santa Casa, onde ficava internada por muito tempo”, diz. Com os irmãos já crescidos, tendo atingido a pré-adolescência, a mulher decidiu complementar a renda de casa.

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“Gosto de trabalhar na rua. Já me acostumei com o público e o público se acostumou comigo. Quando falto, todos perguntam”, sorri, orgulhosa por nunca ter levado o filho para a rua onde passa todo o dia, rua onde almoça, onde vê a chuva cair, onde sente o calor aumentar, onde permaneceu durante todos os meses da gravidez, em 2000. Rua de onde só se afasta para ir ao banheiro, na agência bancária que serve de cenário ao seu negócio. Rua de onde tira recursos e força para realizar o sonho de uma vida: “Quero ter minha casa”.

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