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A transformação da orientadora do Vigilantes do Peso, Júlia Melo

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Transformada: “Quando descobrimos quem somos passamos a ter poder sobre nós mesmos”, defende Júlia. (Foto: Marcelo Ribeiro)

Espelho, espelho nosso

Eram apenas duas dezenas de quilos. E tornou-se a gestualidade de um dos principais aforismo do fundador da filosofia ocidental. “Conhece-te a ti mesmo”, defesa de Sócrates, tornou-se norte para a jovem Júlia Carla Duarte Melo e seus dois partos. O primeiro, há 31 anos. O segundo, aos 24. “Quando descobrimos quem somos passamos a ter poder sobre nós mesmos”, confirma a mulher que compreendeu, também, que “mudar algo ajuda a mudar tudo”. Há sete anos, Júlia tomou de seus hábitos alimentares o controle da própria vida. “Eu não acreditava em mim. Quando você é estigmatizado, começa a acreditar no que dizem de você. E a partir do momento em que começa a discordar do que falam de você, começa a se perceber.”
A partir dos 9, a menina passou a enxergar no espelho uma imagem distorcida da que projetava para si mesma. “Fui gordinha a vida inteira. Sofri bullying e tive várias histórias marcantes na escola. Em um momento resolvi mudar minha vida”, conta ela, cuja virada se deu logo após tomar nas mãos o diploma em direito. “Foi quando tive uma festa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e procurei roupas e mais roupas, sem conseguir achar. Quando a gente encontra, acaba o sofrimento e esquecemos. Mas como eu era muito amiga do fotógrafo da festa, ele tirou muitas fotos, e a minha ficha caiu. A única coisa bonita nas fotos eram as minhas unhas. Eu sabia que estava gorda, mas não queria enxergar. Não é ruim estar acima do peso, mas é algo que traz dificuldades”, comenta.
Numa família sem pessoas em rivalidade com a balança, Júlia resolveu seguir os conselhos da mãe e aderir ao programa Vigilantes do Peso. “Emagreci 21kg em seis meses. Estava muito determinada. Me descobri uma pessoa muito disciplinada. Quando terminei o processo, fui convidada a trabalhar lá. Inicialmente, dizia que queria passar para as pessoas como é bom se olhar no espelho e se reconhecer”, recorda-se a atual orientadora do programa em Juiz de Fora, que passou de 91,5kg para os 70kg do presente – “A gente assina um contrato de ter que manter o peso”.

Das caminhadas à musculação, Júlia descobriu diferentes interesses e motivações para se sentir mais saudável. (Foto: Marcelo Ribeiro)

‘Pôr em si tudo que leva à felicidade’

Seis meses depois da primeira reunião do Vigilantes do Peso que participou, Júlia embarcou para uma viagem de 20 dias com uma amiga e uma prima. “Fui para a Europa, e foi muito legal, porque entrava em todas as lojas e tinha roupas que me serviam. Também saí bem nas fotos. Descobrir uma nova cultura com uma nova visão foi muito especial”, observa a mesma mulher que voltou à festa da OAB como outra. “Quando a gente não está no padrão que estipula, fica menos seletiva. Aceita o que o outro te dá, em tudo. Se não está bem preparado para ocupar um determinado cargo numa empresa, aceita o cargo que te dão. Depois do emagrecimento, passei a acreditar que precisava estar com alguém que correspondesse ao que sou, não só fisicamente, mas à pessoa que me tornei”, ressalta, para logo acrescentar: “Quando somos muito excluídos, seguimos duas tendências: ou nos tornamos amargos, descontando toda a raiva no mundo; ou procuramos espremer o limão até o fim, querendo ser melhor que o opressor, acolhendo o oprimido.” Em sua rotina como orientadora, a mulher que aos 15 anos já tomava medicamentos com seus dolorosos processos de emagrecimento costuma defender a metamorfose como principal motivação. “Minha função é acolher aquelas pessoas, mostrando que, se estão satisfeitas naquele caminho, não precisam mudar radicalmente. Muda um pouco, um hábito por semana, e está bom. O que extraí da minha infância e adolescência turbulenta é o desejo de integrar as pessoas cada vez mais, e me integrar também, porque me sentia excluída e também me excluía”, recorda-se ela, desde o ano passado fazendo terapia e exercícios que a levam ao almejado autoconhecimento. “Ia para a UFJF caminhar todos os dias. Um dia não foi suficiente e comecei a correr. Ia várias vezes quando estava chovendo ou garoando. E não era uma corredora. Depois fui fazer funcional. No ano retrasado, fiz spinning. No ano passado, descobri uma hérnia de disco, encarei a fisioterapia por três meses. Ficar em pé estava sendo custoso. Passado esse tempo, decidi fazer exercícios de musculação, que ajudam muito na mudança do corpo”, enumera. “Acredito que a obesidade tem muito mais a ver com o todo da vida do que simplesmente com a comida”, defende.

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Para Júlia, é preciso compreender o prazer que envolve a alimentação e os riscos que o radicalismo representa. (Foto: Marcelo Ribeiro)

‘Só sei que nada sei’

Se eu não tivesse sofrido bullying, comenta Júlia, talvez não tivesse emagrecido. “Talvez a própria sociedade tenha me feito não querer ser gorda. Mas o legal do momento é que podemos ser o que somos”, proclama a advogada, que levou para sua caminhada profissional a força que a transformou. Mestranda em direito, Júlia pesquisa o direito à educação adequada, não apenas àquela que sacia a fome. “Existe uma indústria que o tempo todo induz o consumo. Estamos na Páscoa e, se pegarmos o Instagram, veremos 60% das blogueiras falando em chocolate. Como resistir a esse apelo visual? Aos mercados repletos de chocolates? É uma cultura, muito mais do que a ideia de só resistir à comida, que envolve a observação de que o externo influencia nossos hábitos alimentares. A prática de atividades físicas, por exemplo, são fundamentais para quem quer emagrecer e ter um estilo de vida saudável, mas cada vez mais fazemos deslocamentos em carros. Sequer abrimos o vidro do carro. É tudo mecânico, feito por um botão. Porque antigamente era mais saudável comer a gordura de porco? Porque quem comia se exercitava em seguida. Hoje a nossa realidade é muito diferente”, pontua, na defesa, também, das dietas restritivas feitas pelos celíacos, pelos intolerantes à lactose. “Essas discussões sobre o direito à alimentação saudável tem crescido muito nas Américas. O Chile adotou uma rotulagem preta (para alimentos insalubres). E isso é interessante e deu muito certo por aqui com a fabricação de cigarros, que foram taxados muito altos, diminuindo bastante o consumo ou pelo menos tirando a impressão antiga do glamour. É preciso excluir o que faz mal à saúde”, argumenta, sem radicalismos, a mulher que durante seu processo de emagrecimento não se afastou da rapadura. “Escolha alimentar boa não é trocar um prato de arroz com feijão por um prato de salada. É uma boa prática, mas até quando isso dura na sua vida? Eu, por exemplo, não teria emagrecido 21kg, porque não como salada. Nunca abri mão de nada, o que tenho vontade, como. Mas sou mais consciente. Comia um pacote de biscoito sem prestar atenção. Hoje como saboreando. Se você quer comer um chocolate, não coma uma banana com canela. Tem que comer o que deseja”, diz ela, às voltas com os pontos estabelecidos pelo programa do qual é orientadora. “Comida também é prazer. Por isso não quero um café da tarde com quatro castanhas e duas amêndoas. Quero um lanche que me dê prazer.”

Após emagrecer mais de 20kg, Júlia coordena, há seis anos, as reuniões do Vigilantes no prédio da Casa D’Itália. (Foto: Marcelo Ribeiro)

‘A sabedoria e a virtude são inseparáveis’

Ao passo que a obesidade não se estabeleceu na vida de Júlia como um traçado genético, a segurança com que se expressa não é resultante apenas de seus 31 anos. Filha única, de uma professora e de um vendedor, a mulher, nascida no Bairro Francisco Bernardino e há mais de duas décadas moradora do Ipiranga, carrega na família grandes potências inspiradoras. “Minha avó se mudou para Juiz de Fora para cuidar dos filhos e para que eles pudessem estudar. Ela teve um bar durante muitos anos. Sempre foi vanguardista e uma negociadora nata, vendendo um lote e comprando três. Investindo e doando aos filhos. Ela foi uma mulher de visão. Embora não tenhamos passado dificuldades, estudamos e nos dedicamos muito”, conta. Formada em direito pelo Vianna Júnior, Júlia atuou num escritório até 2016 e, por dois anos, respondeu como coordenadora da comissão da mulher advogada na cidade e na região. Tempo bastante para perceber que todo autoconhecimento impõe protagonismos. “Só empoderando é que a gente transforma. É preciso empoderar as mulheres contra a violência doméstica e empoderar o gordo para que seja o que quiser”, defende ela, que só se decidiu advogada no término do curso. “Queria ser atriz ou jornalista”, revela. O palco, ela encontrou em sua atuação tanto em audiências quanto nas reuniões do Vigilantes. “Quero trazer um ideal para nossa realidade, através do direito e da alimentação. Quero atingir o máximo de pessoas com o meu trabalho e tentar mudar alguma coisa para que as pessoas se alimentem melhor.”

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