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Veja botecos que vão passando de geração em geração

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Sem rixas, Mauro, do Bar do Brejo, disputa com o filho Lucas, do Lucas Bar (ambos em Benfica), o melhor prato do concurso Comida di Buteco, um torcendo para o outro (Foto: Fernando Priamo)

Diversas ciências: a medicina, várias vertentes da psicologia, estudos sociológicos e tantas outras áreas do conhecimento já se dedicaram a tentar entender o que carregamos, pela genética ou pela convivência (ou ausência) de nossos pais e mães. Embora haja várias respostas e ainda muitas perguntas, em Juiz de Fora alguns núcleos familiares dividem uma paixão intergeracional bem peculiar: comandar bares, com todas as variadas tarefas que a missão diária inclui, da cozinha ao atendimento de clientes, sem falar das burocracias e das minúcias administrativas.

Em Benfica, dois participantes da edição de 2018 do Comida di Buteco viverão uma situação curiosa. Pai e filho, ambos donos de bares diferentes – e quase vizinhos – serão concorrentes no concurso. Com mais anos de estrada, Mauro Antônio Moreira, do Bar do Brejo, conta que a convivência em seu boteco e a observação da movimentação e das rotinas de trabalho certamente influenciaram o filho Lucas Oruam, de 27 anos, no desejo de ter seu próprio estabelecimento, com todo apoio do pai. “Eu tive uma loja de eletrônicos por 16 anos, que havia fechado para me dedicar ao bar, e então quando ele teve esta vontade, abrimos o bar lá”, conta.

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Para Lucas, apesar de disputarem o título no Comida di Buteco, ele e o pai não têm estabelecimentos concorrentes. “Temos públicos diferentes, e meu pai tem uma clientela de muito mais tempo. No concurso, o bom é que, para a família, se qualquer um for premiado é motivo de comemoração”, brinca ele, que tem dois anos e meio de balcão, contra 13 anos do Bar do Brejo. “Chegamos a trocar ideia sobre os pratos um do outro ainda na fase de elaboração, e são bem diferentes”, conta Mauro. Seu estabelecimento este ano compete com o “Filé a moda da Cris” (que é sua esposa), um filezinho de alcatra acebolado com ovinho de codorna, com torradinhas temperadas da casa e antepasto de berinjela.

Já no Lucas Bar, o petisco traz vários elementos tradicionais da culinária de Minas. O “Pra lá de caipira” leva torresmo, mandioca e linguiça, acompanhados de geleia de abacaxi picante e cachaça de milho-verde. Modesto, ele acha que o pai tem mais chances de se dar bem no Comida di Buteco. “Ah, o bar dele é mais tradicional, ele tem mais experiência, acho que isso conta.” Já Mauro, pai coruja, acha que o páreo é duro. “O prato dele é simples, bem-feito e muito mineiro e saboroso, é o que as pessoas pedem em botequim, com o toque da geleia e da cachaça.”

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Legado além da vida

Desde pequeno rodeando o local, Francisco Nunes assumiu a frente do Bar Dias, no Santa Terezinha, após a morte do pai (Foto: Fernando Priamo)

Durante décadas a fio, José Dias Nunes, esteve se revezando entre o balcão, o salão e a cozinha do Bar Dias, no Santa Terezinha, famoso por seus petiscos de botequim, de encher os olhos e a boca d’água dos apreciadores. Depois que foi conhecer o boteco do andar de cima, em 2008, José deixou para os filhos não apenas o estabelecimento, mas todo um legado, carregado até hoje no bar, que está há 39 anos na família. “Nunca trabalhei em outro lugar, desde pequeno ficava rodeando o bar. Aprendi muito com meu pai sobre comércio, sobre lidar com fornecedores, sobre um tratamento bacana com o clientes, e minha mãe sempre ajudou e ajuda até hoje”, conta Francisco Nunes, filho de José.

Francisco conta que tenta manter o mesmo ambiente que o bar tinha com o pai, em vários sentidos. “Procuro incorporar várias coisas que eram muito características dele, que era muito carismático, muito querido. E também manter as peculiaridades do bar, pratos da cultura de bar em que cresci, que não saem de moda e trazemos de família: língua, moelinha, jiló, ‘figuinho’….”, diz ele, que neste ano, apresenta um petisco que não foge desta linha. O “Marinheiro Popeye” é um bolinho rústico de espinafre, servido com espetinho de frango com bacon e linguiça de pernil, acompanhado de molho da casa e geleia de abacaxi.

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A filha Tânia e o marido Valdir herdaram o comando do Bar do Chinelato (Foto: Olavo Prazeres)

Também famoso pela gastronomia de botequim, o Bar do Chinelato ficou sob a batuta de Tânia Chinelato, e Valdir Vilela, que herdou do sogro o apelido-sobrenome que nomeia o boteco, e até hoje passa alguém e grita: “Ô Chinelato!”. “Aprendi com ele o jeito simpático de lidar com as pessoas, a aproximação com o cliente, e a Tânia, que assume a cozinha, certamente herdou o dom do pai, que era ótimo cozinheiro e tinha muita inventividade, assim como a mãe dela”, diz Valdir. O bar segue cheio de personalidade. “Alguns pratos só são encontrados aqui, ou o tempero é diferenciado, pelo menos”, garante. Neste ano, o prato da casa é o “Mar de mineiro”, “uma piada com aquela história de mineiro, já que não tem mar, vai para o bar”, segundo Valdir. O petisco é um torresmo dobrado, servido com linguiça de lombo picada temperada com vinho e mandioca cozida regada no azeite e coberta com alho torrado, acompanhada de molho de goiabada com pimenta.

Ordem na casa

Abílio e a filha Tânia curtem trabalhar juntos diariamente no Bar do Abílio, na Fonseca Hermes (Foto Olavo Prazeres)

No Centro, um dos personagens mais queridos da cena de boteco da cidade, Abílio Moreira, do Bar do Abílio, em funcionamento há 40 anos, também comemora a chegada da prole no estabelecimento. Segundo a filha Tânia, nascida quando o bar já era aberto, depois que o pai começou a participar do Comida di Buteco, o movimento aumentou muito, e ela passou a ajudar nos fins de semana, quando não estava na sua loja. “Isso tem uns seis anos. E foi dando muito certo, até ele me dizer ‘fecha a loja e vamos trabalhar juntos'”, relembra ela, que observa mudanças em sua vida pessoal e no próprio bar. “Mais mulheres passaram a vir, acho que passaram a se sentir mais à vontade com a presença feminina em um lugar que costumava ser majoritariamente masculino. E para meu relacionamento com meu pai foi ótimo, porque agora nos vemos todos os dias, antes era só aos fins de semana, quando ele saía do bar.”

“Seu Abílio” (como sempre chamarei e escreverei) não esconde o orgulho que tem do trabalho da filha. “Sou suspeito para dizer, né? (risos) Mas ela desembola tudo, põe ordem na casa, administra as finanças e me ensina muito nas questões de informática, porque emitimos cupom fiscal, então ela está sempre me orientando.” Tânia, por sua vez, também não poupa elogios ao pai e seus ensinamentos. “Nossa, meu pai é de uma honestidade fora de sério, um exemplo mesmo, muito simples atencioso e trabalhador. Fico sempre emocionada com o carinho que as pessoas têm com ele. Fico pensando: Será que um dia vai ser assim comigo? Tento ser parecida, fazer como ele faz”, diz ela.

‘Agora vou lá só tomar uma’

Mary agora chefia o bar que leva o nome de seu pai, Bené, atualmente com 89 anos (Foto: Olavo Prazeres)

No São Pedro, outra mulher tomou as rédeas do bar do pai, mas depois que ele aposentou o avental. Formada em Direito e Letras, Mary Rezende Tostes, filha do Bené do Bar do Bené, encontrou na cozinha do bar (e em muitas outras funções que a casa exige) sua realização profissional, e uma paixão. “Desde muito pequena, quando nem alcançava a pia, eu já queria ajudar. E lá para 2011, meu pai falava muito em fechar o bar, e ninguém queria, então fomos para o batente, porque a melhor coisa que ele nos ensinou foi estudar e trabalhar duro”, diz ela, que depois das participações no Comida di Buteco mudou até de sede, porque o movimento cresceu. “Hoje meu dia todo é na cozinha, se não amasse, não conseguiria me dedicar tanto.” Para o concurso deste ano, Tânia criou a “Costelinha Turbinada”, costelinha suína acompanhada de feijão tropeiro e mandioca frita na manteiga de garrafa.

Figuríssima, Bené, que celebra 89 anos neste sábado (28), conta que o fechamento do bar, que acabou não se concretizando, já estava todo acertado. “Estava com 52 anos de bar, velho, cansado, e fui no contador escondido e mandei dar baixa. Ainda fiquei uns dois meses, e aí ela pegou e não deixou a peteca cair, não deixou nem esquentar as cervejas do freezer (risos)”. Para ele, é um orgulho ver a filha levando os negócios adiante e confessa que, vez ou outra, ainda dá uma passadinha pelo bar. “Mas agora só vou lá para tomar uma, e quem me serve é o mesmo garçom da minha época!”, diverte-se.

 

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