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Ligação a cobrar

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Não tinha nem ideia de quanto tempo fazia que eu não tirava um telefone público do gancho e o trazia às orelhas. Há alguns anos não me abrigava debaixo daquela estrutura em forma de concha, tão característica do serviço, que protege o aparelho das chuvas e da exposição ao sol. Alguém já tinha comentado comigo que é possível fazer ligações gratuitas para números fixos, no entanto, a vida passava, e eu nunca me lembrava de fazer o teste. O orelhão que havia na esquina de casa foi retirado na última semana, foi só então que eu percebi há quanto tempo ele se tornou invisível para mim.

Assim como boa parte dos meus contemporâneos, resolvo muitas pendências do dia a dia com o celular. Mando mensagens, faço ligações, encaminho e-mails e, vez ou outra, pela limitação das horas da bateria, ou dos créditos, passo aperto e fico impossibilitado de ter acesso à comunicação pelo dispositivo que está sempre ao alcance das mãos.

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Parei na frente de um aparelho em um ponto da Avenida Olegário Maciel, quando precisei escrever a respeito, há algum tempo, e fiquei pensando alguns momentos antes de interagir com a máquina. A memória afetiva me fez voltar à infância. Demoramos a ter um aparelho fixo em casa. Ele chegou ao mesmo tempo em que os aparelhos públicos eram instalados nos bairros. Antes de ter a primeira linha telefônica em casa, meu pai fazia longas viagens como motorista interestadual. Ele ligava do Pará, quando era possível, para o número dos nossos vizinhos. Eles sempre se mostraram muito solícitos com as nossas demandas de comunicação. Nos emprestavam um telefone sem fio, branco, de formato retangular. Mas mesmo com essa força, em uma pá de vezes, o orelhão foi providencial e indispensável.

Durante os testes que fiz, enquanto discava alguns dos números que guardo de cor, me lembrei do meu primeiro telefone celular. Não era necessário colocar um nove na frente ainda. Era Nokia 1100. Indestrutível. Além da resistência, vinha com o jogo da cobrinha, uma lanterna e, de quebra, uma bateria que durava uma semana inteira, em média. Ri sozinho ao lembrar do viral do Cabo Daciolo, mostrando o celular que costuma usar, cujas funções são semelhantes, muito distantes do design dos smartphones mais atuais, repletos de funcionalidades.

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Na época em que ganhei o 1100, a ferramenta começava a se tornar um artigo popular. Embora seu valor já fosse mais acessível, continuava sendo um investimento considerável para a realidade financeira da minha família, o que fez com que me sentisse muito responsável. Havia mais números fixos do que móveis no período. Quantas foram as vezes em que eu ouvi um “após o sinal, diga o seu nome e a cidade de onde está falando”, dita por uma voz feminina, que me passou a soar familiar?

Estava inteiramente imerso em meus próprios pensamentos, até que a voz da interlocutora, minha mãe, me despertou com um “alô”. Meio desconcertado, expliquei rapidamente que se tratava de um teste, para justificar a ligação de um número tão diferente. Em tempos em que ficamos desconfiados com aqueles números esquisitos, que ligam e não falam nada, uma das minhas preocupações era a de que o telefonema não fosse atendido. Mas deu tudo certo. Ligação gratuita, concluída com sucesso. Segui o percurso. Descendo em direção ao Centro, comecei a perceber muitos outros orelhões instalados. Fiquei irritado quando passei por um que estava vandalizado e também cheguei a sentir paz de espírito ao testemunhar a manutenção de outro.
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