Para quem não me conhece, eu sou um homem gordo. Uma informação que, a princípio, parece irrelevante. Deveria ser, pelo menos. Mas não é. Há algum tempo tomei consciência de que muitas situações colecionadas por mim ao longo dos anos estão relacionadas não ao meu peso, especificamente, mas à forma do meu corpo, que incomoda. Não a mim, especialmente.
Foi ouvindo outras pessoas gordas que eu encontrei um nome para dar a muitas das vivências que eu passei e envolviam a forma do meu corpo, que, até então, eu não entendia como violência: gordofobia. Aprendi que gordofobia e pressão estética andam juntas, mas são coisas distintas. Posso preencher uma lista gigantesca com inúmeras situações em todos os ambientes pelos quais passei: escolas, consultórios médicos, comércio, vida profissional, entre as minhas amizades, na família, em lugares de lazer e por aí vai.
Do clássico: “Você tem o rosto tão bonito, por que não faz uma dieta e emagrece?”, ao constrangimento de não passar em uma roleta de ônibus, além de ter sido uma criança que nunca pôde entrar em um pula-pula em função do peso. Alguns amigos mais próximos vieram a saber de algumas dessas coisas há muito pouco tempo, porque não é um assunto sobre o qual é fácil falar.
Há coisas que as pessoas nem imaginam. Antes de ir a um bar, verifico se ele não é daqueles que só têm cadeiras de plástico, nas quais ou eu não caibo, ou não suportam o meu peso corporal. Já sentei em uma que se quebrou, e eu não tenho palavras capazes de expressar o constrangimento que passei. A maioria das pessoas com as quais eu convivo nunca sequer pensaram que essas questões estão entre as minhas preocupações. Algumas já me aconselharam a tentar emagrecer, mas a grande maioria não se esforçou para entender o contexto que me leva a estar “acima do peso considerado ideal”.
E todo gordo sabe que, escondida por trás da dita preocupação com a saúde, está a cobrança por se apresentar com um corpo que esteja alinhado com o padrão estético vigente. Não é à toa que existem tantos ficais de prato e tantas pessoas gordas com hábitos absolutamente saudáveis e exames com taxas perfeitas que continuam sofrendo com comentários depreciativos, independente do lugar em que estejam.
Há um grupo de pessoas que ganha com a insatisfação que gera, quando faz com que outras pessoas sintam que seus corpos são errados, considerados fracassados ou doentes. E quem diz que isso é romantizar algo, provavelmente não buscou a definição do que significa romance. O fato é que pessoas como eu, e como muitas outras pelas quais passamos todos os dias, enfrentam diariamente falta de acesso e humilhação. Na maioria das vezes, caladas.
Surpreendeu-me, no entanto, perceber que essa negação de acesso atinja corpos gordos de todas as classes sociais. Quando o neto de um dos comunicadores mais conhecidos do país entra em um reality show e percebe que não tem toalhas que consigam cobrir toda a circunferência do corpo, demonstrando a falta de acesso em uma situação absolutamente cotidiana, eu consegui ver que a coisa é maior do que eu pensei.
Se há a possibilidade de pensar duas vezes antes de proferir qualquer juízo de valor que seja sobre o corpo de outra pessoa, não perca a oportunidade de fazê-lo. A palavra descuidada que você diz com a intenção de dizer preocupada pode atingir certeiramente uma dor que só aumenta.
Se há a possibilidade de fazer algo para que essa pessoa tenha acesso, não tenha medo de ajudar. Se não pode fazer nada a respeito, também não faça cobranças. Saiba que ela conhece cada uma delas com detalhes, da pior maneira que você possa imaginar. Por fim, se você não gosta de se sentir menosprezado, diminuído, desconsiderado e isolado, não tenha atitudes que possam contribuir para que outra pessoa se sinta dessa forma. Se colocar no lugar de outra pessoa não é fácil, mas faz com que você se torne uma pessoa um pouco melhor.