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Flor de maio

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Entrar em qualquer mercado, atualmente, é se propor a fazer escolhas difíceis. Sim, tudo está pela hora da morte. O dinheiro, em contrapartida, cada vez mais curto, mais desvalorizado. É certo que o ano passou correndo diante dos nossos olhos. Foi em um supermercado que a ficha caiu para mim. Me toquei que ainda não tinha comprado nada para a ceia de Natal. Só de pensar no tamanho das filas dos caixas, já sinto um arrepio frio na espinha. Primeiro, porque a maré não está mesmo para peixe e o melhor seria evitar qualquer efeito cardume. Mas ao mesmo tempo, precisamos comer algo e isso não ocorreria sem a ida ao comércio de toda forma.

Era quase de noite, havia menos pessoas. Ainda assim, a tensão permanecia no ar. Tomei todos os devidos cuidados: higiene das mãos e objetos. Peguei o que precisava o mais rápido que pude. Máscara no rosto o tempo todo, sem concessões. Muitas caras de dúvida pelos corredores. Pessoas encarando prateleiras e produtos por mais tempo que o normal. Fazendo contas, pegando cada item da lista com hesitação.

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Concentrado em terminar a tarefa, quase deixei de olhar para a sessão de plantas. Observei mais atentamente e fui me aproximando. Havia flores de maio com botões em pleno dezembro. Folhas verdes, vistosas, pequenos brotinhos cor de rosa nas pontas, como pequenos brincos a enfeitar orelhas clorofiladas. Aquele pequeno ponto de vida, discreto em sua existência, no meio de tanta concorrência pela atenção dos clientes e de tantos riscos, tomou a todas as minhas atenções.

Me dei conta naquele momento de que estamos vivos. Sobrevivemos. Ainda há muitas lutas a vencer. Há caos por todos os lados. Mas no momento presente, somos parte desse plano. Há vida e ela precisa ser vista, celebrada e cuidada. Nos distanciamos fisicamente das pessoas porque amamos. Vacilamos em abraçar para preservar o outro. Não aceitamos convites para não provocar o risco. Isso vai passar. Pode ser que demore ainda, mas vai passar.

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Esqueci a dor da tensão que endurecia o pescoço e os ombros. Peguei aquele vasinho e o levei comigo. Presenteei minha mãe, que ama receber flores, com o que para mim soou como um símbolo de fé no futuro. A esperança de ver aqueles pequenos botões se tornarem flores coloridas mostrou para mim a face da esperança que os problemas estavam me impedindo de ver há alguns dias.

Foi como limpar as lentes dos óculos sujos pela poeira da estrada. A esperança se mostrou no sorriso da Alice,  na esperteza do Matheus, na timidez da Rhayanne, na energia do Gael, na inteligência do Diogo, em uma brincadeira com a Lolita, em mensagens lindas que recebi de amigos, em uma matéria que escrevi depois de ouvir relatos deliciosos. Veio também na forma do amigo Guilherme, que enfrentou uma chuva e uma distância grande em uma bicicleta para me trazer uma mensagem de amizade e esperança. Eu sinto falta de tudo e todos o tempo inteiro. Não há motivos para comemorar, mas todos os dias descubro mais motivos pelos quais tenho que perseverar na luta.

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Com todas as dificuldades com as quais convivemos, mesmo não sendo muito de pedir as coisas, se pudesse pedir algum presente, além da vacina, pediria para que a gente não perca as forças. Que a gente resista, lute, supere cada uma das dificuldades e não deixe de falar das flores e da beleza que a vida tem.

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