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Eu não quero chocolate!

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Não sei qual é a altura padrão daquelas armações que são colocadas em supermercados e lojas que costumam trabalhar com ovos de Páscoa. O que eu sei é que passei a evitá-las nessa época do ano, desde a adolescência, quando comecei a ter altura suficiente para bater o cocuruto ao passar pelos chocolates. Hoje isso pode ser bem dolorido, levando em consideração que as embalagens são cada dia mais elaboradas e podem conter materiais mais duros, como plásticos e metais. Chego a comemorar quando sou obrigado a passar por algum desses estabelecimentos e saio ileso, sem bater em nada. E olha que eu nem sou dos mais altos.

Realmente não presto muita atenção aos preços dos chocolates, sobre os quais ouço muitas reclamações nas ruas, entre amigos e familiares. Todos aqueles encartes chamativos, embalagens coloridas, tamanhos exagerados, nada disso faz muito minha cabeça. Não me entenda mal. Não é que eu não goste de chocolates, pelo contrário. Gosto mais do que deveria até. Porém, ocorre que, nesse período, eles se tornam itens secundários, terciários e, pelo preço cobrado, por mim, continuariam lotando as prateleiras.

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Na infância, lá em casa, como em boa parte das famílias, ficávamos ansiosos para ver se encontraríamos chocolates ao acordar no domingo de Páscoa. Esperávamos para ver se viria algum chocolate com surpresa ou se eles viriam em caixas de bombom; se seria algo mais caseiro, com aqueles recheios únicos, doces com gosto de feito em casa. Mas logo eles eram guardados e davam lugar a outra iguaria: a canjica. O chocolate ficava todo para depois. Perdia de 7×1 no domingo.

Os grãozinhos branquinhos repousam no molho por muitas horas, de véspera. É preciso aprender a esperar; isso inclui ver a bacia de água posicionada sobre a pia da cozinha, como se esperasse para derreter em nossas bocas mais tarde. Enquanto isso, o amendoim é torrado, porque não tem graça se vier todo pronto, sem pele, sem nada. O processo é manual e envolve quem estiver desocupado. Quando esfria, as casquinhas são retiradas com a mão, uma a uma. Entra coco, leite de coco, o leite e uma canelinha depois de passar pela panela de pressão. O caldo engrossa e não entorna. Como bem diz uma tia minha: “Não sobra nem para o cachorro.” Cada um se serve até ficar satisfeito. Se sobrar para o dia seguinte, a gente come de novo! Tios e primos dividem o mesmo gosto pela sobremesa, que pode até não ser consenso ou unanimidade, mas é sempre lembrada pela maioria. Nessa época, a pergunta “tem canjica aí”, feita pelo telefone, se torna frequente. É falar em canjica e a boca saliva.

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Levo esse costume, que eu ainda não fui a fundo saber de onde vem na história das famílias, como uma verdadeira celebração da vida. Todos em volta do alimento, comemorando o estar presente, o estar junto, de canjicas à mostra – perdoem o trocadilho horrível. Essas partilhas fazem da Páscoa mais doce, lembram que a vida deve pulsar. Se conseguimos, de fato, acessar determinadas memórias por meio de cheiros, gostos, toques ou sons específicos, quando precisar descrever como é a Páscoa para alguém, vou dizer que ela tem gosto de canjica doce. Tem a cor morena do amendoim misturado com os leites, tem a textura agradavelmente viscosa, interrompida por pedacinhos também do amendoim. Tem sabor de milho e vida. Por aqui, enquanto eu puder, a Páscoa vai ser assim, que tenha chocolate, mas que não falte a canjica!

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