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Pés molhados

(Foto: Leo Costa)

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O anúncio do aplicativo de muambas foi certeiro: indicou uma espécie de meia de látex, para colocar sobre os calçados, para evitar que eles se molhem nas ruas cheias de poças d´água. Vez ou outra as conversas captadas pelos nossos aparelhos eletrônicos rendem algo positivo. O pacote chegou hoje, mas eu não estou tão ansioso para colocá-lo em uso e testar sua eficiência, pelo contrário. Se puder evitar situações que molhem meus pés, que não sejam um bom banho, uma piscina, mar ou cachoeira, prefiro que eles se mantenham bem longe de qualquer umidade.
O coachar dos pés dentro dos tênis molhados é algo que me causa irritação. Inevitavelmente, todo período chuvoso traz com ele o risco iminente de encharcar os pés. O fato de ser desastrado não ajuda muito nessa missão. Primeiro dia útil do ano, cai uma chuva torrencial no momento em que coloco meus pés na calçada para ir trabalhar. Fiz o meu melhor, mas não foi suficiente. Estava eu, pouco tempo depois, com os dois pés encharcados.
Entrei no primeiro ônibus que parou. Lotado. Fui pendurado na parte da frente. Não havia como entrar mais ninguém. Passávamos por pontos lotados, onde os carros passavam e lançavam uma parede de água naquelas pessoas que esperavam para embarcar em um coletivo. Pensava que entre aquelas pessoas havia trabalhadores que teriam que passar o dia todo molhados, com os pés cheios de água e ainda precisando justificar o atraso por conta da questão climática.
Esse é, costumeiramente, o tempo das águas e não devia causar surpresa a presença intensa e sazonal das chuvas. Porém, com elas, chegam a angústia e o desespero. Não estou me referindo mais ao meu incômodo pueril da invasão de água nos meus tênis. Estou falando de tristeza, revolta e do prejuízo de pessoas que perdem tudo que têm, como moradores do Bairro Industrial e do Bairro Cerâmica que assistem a água invadir e tomar tudo em suas residências, há décadas.
O olhar vago das pessoas que falam sobre como foram afetadas pelos temporais expressa a falta de horizontes e de esperanças. Percebemos sobretudo a incredulidade, visto que o custo não é só material, significa também a perda de boa parte do que foi conquistado ao longo de toda uma vida. O que permanece é solidariedade.
A água é essencial para a manutenção da vida. Quando ela não recebe o respeito que merece, transborda, mostra sua força, abre caminho, independente do obstáculo que estiver em seu caminho. Se ainda não entendemos a mensagem, é bom que façamos isso imediatamente. Se o homem continuar apenas escutando a ganância e ignorando a natureza, pode ser que as Minas Gerais, que sofrem historicamente com as intempéries, passem a testemunhar cada vez mais tragédias.
Sabemos que as chuvas sempre vêm. Todos sabemos como elas afetam nossas cidades. Obviamente, não são problemas fáceis de resolver, muito menos baratos. A palavra de ordem, nesse caso, é prevenção. O que podemos fazer para evitar que cenas como as que estamos testemunhando nas últimas semanas não se repitam, ou não custem a vida de mais pessoas? O que podemos somar à prática da empatia, contribuindo com o que temos para ajudar quem foi afetado? Que estejamos dispostos a mudar essa realidade, para que ninguém tenha que molhar os pés nas enchentes e muito menos perder tudo o que possui nas chuvas.

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