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Docim de leite

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A tarde de domingo foi ensolarada. Aproveitei o tempo e resolvi dar um banho na mascote canina da casa. Seco os pelos dela sob os raios quentes do astro-rei, na escada que dá acesso à rua. Lolita, desde pequena, não gosta muito dessa parte do processo. Sempre apronta um escândalo daqueles quando vamos com a toalha para perto dela. Mas, insistimos, para que ela não deixe a casa toda molhada.

Mesmo com os latidos e a força que a cachorra faz para fugir, consegui terminar a tarefa relativamente rápido. O horário seguia um pouco mais avançado do que o de costume. Continuei do lado de fora, expondo minhas células à vitamina D, antes que a noite caísse, quando um casal parou de moto no portão e me ofereceu uma barra de doce de leite.

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Em um primeiro momento, fiquei ressabiado, não quis comprar logo de cara. Mas quando mostraram a barra do doce, descendo da moto e começando um papo, me lembrei do doce de leite que comprávamos na infância. É daquelas coisas que a gente não tem ferramenta para explicar. Mas sabe muito bem que é infinitamente difícil de acessar, por causa da maneira como as coisas são feitas hoje. E aí, não há muito o que pensar. Se deixamos a oportunidade passar, sabe-se lá quanto tempo até que ocorra outra.

No papo descobri que o doce, assim como o queijo e a manteiga que o casal vende, vêm de Santa Bárbara do Tugúrio e de Bom Jardim de Minas, pedaços do estado que ainda não tive o prazer de conhecer pessoalmente. Também descobri que a ambrosia, que eu acreditava ser uma fruta, é também um doce feito com leite talhado, que segundo o meu interlocutor, não tinha lá uma aparência tão convidativa, mas era “bom todavida”. Resultado: fiquei com a barra de doce, meu pai com o queijo e ainda trouxemos manteiga para casa. Todas as embalagens devidamente higienizadas com álcool gel.

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Quando finalmente provei o doce, soube que acertei em confiar no casal. Eram exatamente o gosto e a textura dos doces de leite que comia na infância e não consigo mais encontrar pelas vendas da região. Apesar de toda a dificuldade que a pandemia vem causando por todos os cantos, vejo certa movimentação de um comércio que era muito comum por aqui, mas tinha ficado esquecida, até pouco tempo. Me lembro que, semanalmente, chegava na porta de casa queijo fresquinho. Vez ou outra, rosca de trança, doce de leite, garrafa de litro de leite, churros.

Mas o que me emociona de verdade é que, vira e mexe, aparece uma sacola com bananas, ou com chuchus, goiaba, limão, abacate, mamão e até manga, dependendo da época do ano. Verdadeiros tesouros, que ainda chegam em frequência menor, mas chegam. Dia desses, por exemplo, a vizinha trouxe uma penca de banana ouro madura e deliciosa.

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Essas sacolas também já carregaram folhas como taioba, couve, alface, almeirão, cebolinha e salsinha. Na época das vacas magras, essas doações, cultivadas em quintais da vizinhança, enriqueciam a alimentação, e foram, absolutamente, fundamentais. Das coisas que mais me trazem encantamento sobre essa terra e ainda me fazem cultivar alguma esperança na humanidade, é essa uma das que mais me tocam. Sempre há quem esteja disposto a dividir o que tem, mesmo que seja para não ver o pecado do desperdício acontecer. O que é ofertado dessa forma, nas mãos de quem recebe, ganha sempre um sabor mais especial.

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