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“Visitas de médico”

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Ouvi a buzina de longe, mas como há muito movimento de carros no bairro, pensei que ainda não tinha chegado. Segundos depois o telefone também tocou. Há poucos meses, eu conseguiria ouvir a campainha soar pela casa. Foi só o tempo de vestir a máscara e descer o lance de escadas até o portão de casa. A sequência de ações se repetiu uma meia dúzia de vezes, mas ainda não deixou de ser estranha.

De certa maneira, pensei que ia demorar mais a conseguir ver de perto algum amigo; dada a distância em que me encontro deles. Permanece, no entanto, a falta de jeito para lidar com a situação. Mesmo ciente de que eles compreendem que não é tempo de abraçar, o encostar de cotovelos e o cumprimento vocal parecem um tanto insuficientes.

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Alguns minutos de um papo separado pelas barras de metal do portão, que contribuem para o distanciamento recomendado, mas ampliam o desconforto. O trinco permanece fechado, ainda que o instinto inicial seja de mantê-lo aberto. Para o mineiro que recebe todo mundo na cozinha, passando um café e beliscando qualquer coisa, não ter como fazer o convite para entrar e ficar à vontade, faz sentir como se agisse contra a própria natureza.

A máscara que é mais uma barreira, campeã absoluta de reclamações nas conversas, deixou de ser um incomodo. Se há algum contato com outra pessoa fora do convívio familiar, ela precisa estar e não tem outro forma. Há mais de um mês não recebo ou faço uma chamada de vídeo. O que no início ajudava a matar a saudade, foi cansando. Um excesso muito grande de tempo de exposição às telas e pouca disposição fora delas, os encontros, ainda que virtuais, ficaram mais cansativos.

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Cheguei a desistir de puxar algumas conversas porque tudo parece um pouco menos importante do que a pandemia. Não há nada mais grave do que saber que há mais de mil pessoas morrendo diariamente. Diante de uma realidade tão massacrante, qualquer sentimento se torna pueril e, ao mesmo tempo, algo muito mais intenso do que deveria ser. Tentar falar sobre outras coisas, inconscientemente, é como caminhar em círculos, uma distração ocorre e o tema pandemia está de volta à fala, porque não tem como acontecer diferente.

Quando admitimos e externamos essa dificuldade, ainda há o peso da culpa de estarmos reclamando de barriga cheia. Numa dessas ‘visitas de médico’ no portão de casa, uma amiga me disse que, pelo menos, ainda temos alguma opção de contato, uma que seja. Ainda que seja de longe, ou que seja mediado por uma distância de dois metros, por um portão, por uma máscara. Ainda estamos vivos. Ainda podemos estar juntos, embora estejamos cansados de mandar mensagens, ou de fazer telefonemas.

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Me despeço e subo as escadas com a Lolita, a mascote da família, no meu encalço. Ela também demonstra a falta que sente das pessoas e atrapalha a conversa, late, chora e balança o rabinho de maneira ansiosa, pedindo carinho. É difícil resistir. Mesmo entendendo todo o contexto, me sinto afetado. E fico imaginando como são as coisas para ela, que não tem como entender no que estamos metidos. As vacinas ainda vão demorar um bocado para chegar a todo mundo, então, o jeito é seguir cuidado da saúde global: física e mental e tentar enxergar outros assuntos.

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